Gerais

Alcançar um novo horizonte

Richard Roberts – Presidente da WONCA Mundial

É uma honra ser convidado a contribuir com algumas notas para o 30º aniversário da APMGF. Gostaria, pois, de aproveitar esta oportunidade e escrever breves palavras sobre algo que Portugal e a APMGF me ensinaram.
Aprendi, muito tarde na vida, aquilo que as crianças portuguesas sabem desde cedo – Portugal é a Terra das Descobertas. Os historiadores acreditam que as explorações lusas conduziram à globalização. É certo que existem, nos dias que correm, algumas dúvidas sobre se a globalização é boa ou má, em si mesma. Mas, na minha perspetiva, trata-se de um processo inevitável. A globalização é impulsionada pelo desejo humano – inato – de ir para além dos nossos horizontes, seja a motivação inicial a conquista, a curiosidade ou a necessidade. Num mundo em constante mutação, apenas podemos conhecer o sucesso através de descobertas – surjam elas da nossa própria inovação, ou da capacidade de nos adaptarmos ao que outros inventam e que ajustamos às nossas circunstâncias de vida.
As experiências dos exploradores e marinheiros portugueses mostram-nos o que precisamos de fazer para atingir o êxito, no contexto atual e cada vez mais desafiante da prestação de cuidados de saúde.
 
• Ser capaz de aprender com os outros, para atingir algo melhor. Em 1279, o rei D. Dinis assalariou (contra todas as expectativas) um comandante marítimo genovês, porque o considerava o melhor navegador do seu tempo. As reformas do sistema de saúde português, desencadeadas em 2005, incluíam um conjunto de estratégias já ensaiadas em outros países, tal como as organizações de manutenção e logística em saúde, desenvolvidas anteriormente nos EUA. Estas estratégias foram, então, modificadas para melhor responderem às necessidades únicas de Portugal.
 
• Estar consciente dos feitos do passado e ousar ir mais longe. A épica viagem de Vasco da Gama até à Índia apenas se tornou possível face aos achados prévios de Bartolomeu Dias e de outros aventureiros. Os decisores políticos e os financiadores da setor da saúde reconhecem, hoje, que médicos de família dotados de formação abrangente proporcionam melhores resultados em saúde para as populações, a um custo mais baixo. Assim, os cuidados de saúde primários portugueses evoluíram de um cenário em que a assistência era providenciada por médicos generalistas, para uma dinâmica em que tais tarefas ficaram sob a responsabilidade exclusiva de médicos de família devidamente qualificados. Contudo, tal passo apenas se concretizou devido ao bom trabalho realizado pelos médicos de Clínica Geral que edificaram o sistema de saúde e às lições que estes interiorizaram.
 
• Ser persistente. Gil Eanes tentou 15 vezes, antes de finalmente conseguir contornar o Cabo Bojador, em 1433. Alguns aspetos da reforma do sistema de saúde não decorrerão como planeado. Ainda assim, líderes competentes têm de conseguir perceber quando uma estratégia específica não está a funcionar e rever a linha de atuação seguida, para que essa estratégia recolha frutos ou, em alternativa, seja abandonada de vez.
 
• Ser corajoso. A sabedoria convencional alertava Fernão de Magalhães e as suas tripulações para o facto de que não seria possível circum-navegar o planeta, que estavam fadados a tombar no abismo quando chegassem à orla do mundo. É necessária uma grande dose de coragem para afrontar ou ignorar a sabedoria convencional, navegando em águas ignotas. Ninguém pode antecipar, com segurança, se as reformas encetadas em Portugal alcançarão os objetivos pretendidos, ao nível da melhoria da saúde das populações e da racionalização de custos. É, portanto, muito fácil entrar em desespero ou bater em retirada, face a tamanha incerteza. Porém, os verdadeiramente corajosos mantêm a fé de que melhores tempos se avizinham.
Sempre que visito Portugal, sinto-me inspirado pelo compromisso e liderança demonstrados pelos médicos de família portugueses. À medida que o movimento reformista transita os cuidados primários das UCSP para as USF, será importante avaliar o impacto dos modelos A, B e C nos indicadores de saúde e nos custos da atividade, bem como a satisfação dos doentes e profissionais com cada um dos modelos. Correções de rota, a meio do trajeto, são inevitáveis e essenciais. 
 
Nunca poderemos atingir o horizonte genuíno, porque há sempre outro a espreitar, um pouco mais adiante. Todavia, na qualidade de médicos de família, permaneceremos sempre na rota certa desde que cultivemos relações de confiança com os nossos doentes e comunidades, ao mesmo tempo que lhes oferecemos serviços adequados. A APMGF é a nau que torna possível esta jornada. Reúne os médicos de família portugueses, protege-os das tempestades e transporta-os até um horizonte de melhor Saúde, para todos. Parabéns por esta fantástica viagem, que leva já decorridos 30 anos. Espero – e acredito – que os médicos de família portugueses tenham pela frente mares tranquilos e ventos favoráveis.
 
Richard Roberts
Presidente da WONCA Mundial

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