Programa Integrado de Promoção da Excelência em Investigação Médica
Em cartas endereçadas ao chefe de gabinete do ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, ao ministro da Saúde e à presidente da Comissão Parlamentar de Saúde, datadas de 22 de abril, o presidente da APMGF, Rui Nogueira, reconhece que o Programa Integrado de Promoção da Excelência em Investigação Médica consagrado na Resolução do Conselho de Ministros é “um diploma importante e dotado de inegável valia para o desenvolvimento e a sustentabilidade da investigação médica no nosso país”, que na generalidade merece a concordância dos órgãos dirigentes da APMGF.
Ainda assim, Rui Nogueira recorda que quando “o articulado aborda o «Programa de Doutoramento em Investigação Clínica» e o «Programa Investigador Médico», estipula que o financiamento incluirá remuneração que permitirá ao doutorando, num caso, ou ao especialista doutorado, no outro, «dedicar, pelo menos, 75% do seu tempo hospitalar para investigação»”.
Ora, segundo o presidente da Associação, “tal formulação sintática pode conduzir à interpretação de que os médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar doutorandos estão excluídos do «Programa de Doutoramento em Investigação Clínica», o mesmo sucedendo com os especialistas em MGF já doutorados relativamente ao «Programa Investigador Médico», uma vez que desenvolvem a sua atividade clínica em unidades dos cuidados de saúde primários, não se lhes aplicando a expressão «tempo hospitalar para investigação»”.
No texto destas missivas é também possível ler que embora “os redatores do diploma possam não ter tido em mente tal afastamento de forma premeditada”, poderá suceder no futuro que “esta infeliz imprecisão” dê azo “à exclusão de colegas doutorandos ou doutorados oriundos da MGF dos já referidos Programa de Doutoramento em Investigação Clínica e Programa Investigador Médico”.
Algo que seria, na ótica dos responsáveis da APMGF, “um desfecho nefasto não apenas para a nossa especialidade, mas para o panorama científico nacional, na medida em que muitas das matérias de investigação se relacionam com os médicos de família e com os Cuidados de Saúde Primários e são de capital relevância para a saúde pública dos portugueses”.
APMGF avança com soluções (separadamente e em colaboração com parceiros) para resolver o imbróglio
Os sinais de alerta lançados pela APMGF são muito mais do que isso, na medida em que contêm igualmente uma resposta prática e exequível para ultrapassar o problema.
Assim, no interesse de aperfeiçoar um documento que considera extremamente positivo na sua índole e no seu alcance, a APMGF propôs ao executivo que seja republicado o diploma, substituindo a expressão “dedicar, pelo menos, 75% do seu tempo hospitalar para investigação” pela locução “dedicar, pelo menos, 75% do seu tempo de atividade hospitalar e em cuidados de saúde primários para investigação”. Tal afinação, pese embora singela, seria suficiente para ultrapassar a atual imprecisão que encerra a leitura desta Resolução do Conselho de Ministros.
Para além dos contactos institucionais que fez isoladamente com os já mencionados órgãos de decisão política, a APMGF associou-se a outras organizações, nomeadamente à Unidade de Medicina Geral e Familiar da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (FCMUNL), à Associação de Docentes e Orientadores de Medicina Geral e Familiar (ADSO) e ao Colégio da Especialidade de Medicina Geral e Familiar de Ordem dos Médicos, em outras diligências, que visam não só garantir a possibilidade de médicos de família integrarem as iniciativas «Programa de Doutoramento em Investigação Clínica» e «Programa Investigador Médico», mas também assegurar que os médicos de família contam com tempo protegido para a investigação.
Para que se atinja um contexto favorável à investigação entre os médicos de família, as organizações vão advogar junto do governo a redução da dimensão da lista de utentes para os médicos de família que são simultaneamente investigadores clínicos e a inclusão dos agrupamentos de centros de saúde (ACES) nas políticas interministeriais de incentivo à investigação clínica, com a consequente discriminação positiva – ao nível da alocação de financiamento publico – dos ACES que mais contribuírem para a investigação clínica (à semelhança do que foi pensado para os hospitais).
Todos creem que lapso será corrigido
Para Luiz Miguel Santiago, médico de família doutorado na especialidade de Sociologia Médica/Medicina Preventiva e Comunitária pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, torna-se óbvio que “a MGF portuguesa tem vindo a conhecer um crescimento exponencial e que a quantidade de investigação, medida por artigos publicados, teses apresentadas e apresentação efetuadas, é muito grande”. Este professor associado da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior e orientador de formação específica em MGF não tem dúvidas de que é, aliás, “no ambiente de MGF que a Saúde se decide”.
Luiz Miguel Santiago acredita que “por eventual lapso de aconselhamento”, a resolução do Conselho de Ministros foi publicada com a designação «tempo hospitalar», ao invés da mais adequada «tempo de trabalho clínico». Porém, está também persuadido de que “dadas as recentes tomadas de posição de Sociedades Médicas Portuguesas, não custará muito mudar este texto, para se poder potenciar a investigação prática que interessa: a populacional, que dá resultados imediatos”. Conclui, referindo que seria “um erro crasso manter o que está escrito”.
André Biscaia, outro doutorado oriundo da MGF, sublinha que a “omissão de referência dos cuidados de saúde primários (não só dos médicos de família, mas também das outras profissões da saúde) nesta resolução só pode ser um lapso, que vai ser corrigido brevemente”.
O médico de família da Unidade de Saúde Familiar Marginal (que é também investigador e formador no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, ISCTE Business School, Faculdade de Medicina de Lisboa e Faculdade de Motricidade Humana) recorda a este propósito um ensinamento valioso do passado: “já no século XVIII, um conhecido médico escocês – John MacKenzie – dizia que muito do que é necessário saber na Saúde ficaria por revelar se os então médicos de família/clínicos gerais não ocupassem o seu lugar na investigação. Não acreditando que Portugal esteja atrasado uns séculos nesta matéria, este lapso vai ser seguramente corrigido”.
Na perspetiva de André Biscaia, o diploma abarca “vários pontos interessantes e outros que valeria pena discutir mais. Fala da importância do investimento na investigação, abordando verbas e incentivos, mas novamente com medidas que parecem mais dirigidas aos hospitais. Uma medida a pensar seria introduzir na contratualização de serviços nos cuidados de saúde primários um indicador relacionado com a investigação”.
O investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical frisa, ainda, que embora a resolução do Conselho de Ministros possua um foco evidente na investigação clínica, “a investigação em serviços de saúde pode ter tantos ou mais efeitos na melhoria do sistema e deveria estar referida de um modo mais direto”.
Apesar das nítidas imperfeições que afetam a resolução, André Biscaia não deixa de elogiar aquilo que de benéfico ela por trazer para o desenvolvimento da investigação clínica entre nós e para consolidação do nosso sistema de saúde: “há que saudar este diploma, que chega no entanto com muitos anos de atraso. A investigação pode ser não só um fator de melhoria do sistema, como uma fonte de rendimento importante para os serviços”.