Política de saúde

Comunicado

Comunicado

A Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) repudia, de forma veemente, a contratação de médicos sem a especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF) para desempenharem funções paritárias às exercidas pelos médicos de família nos cuidados de saúde primários (CSP) portugueses. Esta prática, seguida pelo Ministério da Saúde há anos, é um retrocesso inqualificável, que colocará, a breve trecho, o nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS) em posição de inferioridade. Não aceitamos a degradação da prestação de cuidados de saúde à população. 
 
A APMGF tem, como missão, contribuir para a crescente dignificação profissional, social e humana dos médicos de família. Visa, na sua atuação, a melhoria efetiva da qualidade dos cuidados de saúde prestados à população portuguesa. Ao longo dos seus 30 anos, a APMGF lutou pela definição e reconhecimento do perfil profissional do médico de família em Portugal e pelo reconhecimento da especialidade de MGF. Contribuiu de forma ímpar para que a Reforma dos CSP fosse uma realidade. O atual contexto de prática da MGF portuguesa é reconhecido nacional e internacionalmente pelo nível de formação, pela sua qualificação e pelos ganhos em saúde obtidos nas últimas décadas. O Serviço Nacional de Saúde não seria o que é hoje sem o contributo fundamental dos médicos de família no âmbito dos CSP.
 
Os avanços concederam aos portugueses o direito de ter ao seu dispôr um médico de família com conhecimentos, atitudes e aptidões à altura do que as sociedades modernas exigem: médicos de família acessíveis e próximos das pessoas, médicos de família com a qualificação necessária e que vestem a camisola do SNS. Contrariamente ao que alguns pensam, a arte médica não é um bem transacionável e que possa ser adquirido por atacado. É um bem da sociedade que deve ser reconhecido por todos e cujo exercício não pode ser mercantilizado, nem negociado ao mais baixo preço.
 
A APMGF tem manifestado, em diversos momentos, o seu desacordo com a política seguida pelos responsáveis governativos na área da saúde. E várias áreas têm merecido a nossa particular atenção: a reforma dos cuidados de saúde primários; a política de recursos humanos nos cuidados de saúde primários e a autonomia organizativa e técnica dos médicos de família.
 
reforma dos cuidados de saúde primários, fundamentada na criação de novas unidades de saúde, tem sofrido atrasos de implementação incompreensíveis. Mesmo as unidades de saúde aprovadas pelas Administrações Regionais de Saúde (ARS), depois dos pareceres técnicos favoráveis, aguardam o inicio de funções durante longos meses. Por outro lado, a evolução de unidades de saúde familiar para formas mais avançadas de organização não tem sido impulsionada
 
A política de recursos humanos nos cuidados de saúde primários, nomeadamente no que se refere a médicos de família, tem sido desastrosa. Continuamos a assistir a concursos de caráter excecional para provimento de médicos, a atrasos na admissão de jovens médicos de família, a inexistência de um mapa plurianual de necessidades em cada região ou agrupamento de unidades de saúde, ao adiamento de celebração de contratos mesmo depois de finalizado o concurso ou à chocante remuneração de médicos especialistas pela tabela de médicos internos. Mas a celebração de contratos precários com empresas de trabalho temporário é rápida e fácil e envolve milhões de euros. Assim se desvaloriza a prestação de cuidados de saúde de qualidade e organizados para optar por trabalho precário, de caráter episódico e avulso. A APMGF reitera a sua oposição a estas medidas, fundamentadas na colocação de médicos indiferenciados nas unidades de saúde. Médicos que não detenham a especialidade de medicina geral e familiar não estão devidamente qualificados para trabalhar na primeira linha do SNS.
 
Os ataques à autonomia organizativa e técnica dos médicos de família são preocupantes e ferem diretamente o modelo de funcionamento das unidades de saúde. Medidas como a limpeza unilateral de listas de cidadãos inscritos no seu médico de família tendo como simples critério a não utilização dos serviços, são contrárias aos fundamentos da nossa especialidade. O vínculo terapêutico e relacional do médico com os vários membros da família constrói-se sob a premissa da continuidade de cuidados personalizados. Medidas como a imposição de 15 minutos para cada consulta (4 doentes por hora) são uma falta de respeito pelo doente e pelo médico. É algo intolerável, inaceitável e representa um ataque à qualidade dos cuidados centrados na pessoa. Medidas como estas são desprovidas de bom senso e revelam um total desconhecimento da realidade da prática clínica. Medidas como estas são desmobilizadoras de boas práticas, desorganizam as unidades de saúde e destroem o sistema de saúde. A APMGF opor-se-á firmemente à sua implementação.
 
Não é certamente este o caminho para um SNS seguro, com qualidade e sustentável a longo prazo.  Não  é certamente este o caminho para dar mais e melhor saúde aos Portugueses.
 
Estivemos, estamos e estaremos sempre disponíveis para fazer parte da solução dos problemas e por isso defendemos o diálogo, com inteligência e elevação, no relacionamento institucional. Os médicos de família portugueses nunca foram, nem serão, uma força de bloqueio à melhoria contínua e sustentável da prestação de cuidados de saúde. Mais do que ninguém desejamos que cada português tenha o seu médico de família. Mais do que ninguém lutamos contra o despesismo e somos a favor da sustentabilidade do SNS. Por isso, temos trabalhado dia a dia ao longo de anos nas nossas unidades de saúde, junto dos nossos doentes. Por isso, nos preocupamos com a formação de colegas mais novos. Por isso, nos preocupamos com o desenvolvimento profissional continuo. Por isso, nos preocupamos com a inovação tecnológica. Por isso, defendemos e trabalhamos a gestão clínica. Por isso, construímos equipas de trabalho.
 
Este é, indubitavelmente, mais um momento de luta pelos cuidados de saúde primários no SNS português ao qual a APMGF não é alheia. Um momento de união pela dignificação do médico de família, pelo reconhecimento da especialidade de medicina geral e familiar, pelo reforço dos cuidados de saúde primários.
 
A APMGF apoia as medidas anunciadas pela OM, FNAM e SIM no documento “Em defesa do Serviço Nacional de Saúde e dos Portugueses”.
 
Pela defesa do SNS, pelo direito dos cidadãos à saúde e pela qualidade do exercício médico em Portugal, a APMGF expressa a sua solidariedade com a Greve Nacional dos Médicos para os dias 11 e 12 de julho de 2012 convocada pelos Sindicatos Médicos.
 
A APMGF lamenta o distúrbio no funcionamento do SNS e o impacto que tal medida possa ter na vida dos nossos concidadãos. Contudo, a nossa principal preocupação é com os portugueses e com o futuro do SNS. Estaremos sempre disponíveis para colaborar na melhoria dos cuidados de saúde primários.
 
Lisboa, 8 de junho de 2012
 
A Direção.
 

Leia Também

Novo regime remuneratório das USF recomenda-se com grandes doses de pedagogia, recentramento e muita calma

MGF e CSP estão numa encruzilhada organizacional que exige vigilância mas não deve desmoralizar ninguém

Pensar as ULS como fonte de inovação ao invés de disrupção

Recentes