Um total de 90 participantes integrou os três cursos que este ano fizeram parte da edição de Primavera da Escola de Medicina Geral e Familiar (MGF) da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF). Desta vez, a iniciativa decorreu numa unidade hoteleira que nunca recebera as Escolas, mas de acordo com Regina Sequeira Carlos, membro do Departamento de Formação da APMGF, em breve o evento regressará à Consolação: “a unidade hoteleira a que estamos habituados está em pleno processo de renovação e terá um novo centro de congressos, pelo que estaremos de regresso à nossa «casa natural» já no Outono. De qualquer forma, fomos recebidos num excelente hotel, com grandes condições para realizar a formação”.
A também coordenadora pedagógica do Curso de Atualização em Neurologia destacou ainda a renovação que foi efetuada nesta formação, desenvolvida em parceria pela APMGF e pela Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN): “esta formação foi iniciada há alguns anos atrás, após um pedido de colaboração da SPN, quando era dirigida pelo Prof. Vítor Oliveira. Entretanto, sentimos necessidade de a reformular, no sentido de tornar o curso mais prático e com a dinâmica ideal para uma estreitar de relações entre especialidades. Isto para garantir, até, que quando um doente é referenciado para uma especialidade como a Neurologia, já vai previamente estudado e encaminhado pela MGF, evitando-se uma desnecessária multiplicação de consultas e atos médicos”.
A coordenadora cientifica deste curso, a neurologista Ana Catarina Fonseca (Hospital de Santa Maria), recorda a preponderância desta formação realizada na Escola: “a patologia neurológica é muito prevalente nos CSP, onde surgem muitos doentes com cefaleias, epilepsia ou doenças cerebrovasculares, por exemplo, o que justifica a natureza alargada do curso. Nesta edição, tínhamos como objetivo oferecer uma formação muito prática e interativa, daí o facto de a termos reestruturado relativamente ao passado. A nossa ideia era evitar uma formação muito teórica – até porque os médicos de família já têm uma excelente base de especialização – mas sobretudo chamar a atenção para aspetos práticos, dicas para o diagnóstico e mostrar o que fazer ao doente- Ou seja, que tipo de seguimento devem ter, que tipo de exames ou investigação devem fazer e a partir de que ponto é essencial referenciar. Por último, enfatizámos as principais novidades em termos de terapêutica, o que pode ser realizado nos CSP e o que deve ficar reservado para os hospitais”.
A neurologista em causa sublinha a circunstância de atualmente ser forçoso melhorar a relação entre as duas especialidades (MGF e Neurologia), sobretudo no que respeita “à informação de feedback que nós, neurologistas, damos aos colegas da MGF. É importante melhorarmos a comunicação bilateralmente, sem dúvida, mas sobretudo aquela informação que damos de volta ao médico de família, sobre o tratamento oferecido ao paciente. Julgo que ainda nos esquecemos, muitas vezes, que os cuidados vão continuar fora do hospital e que é crucial mantermos as pontes abertas”.
Excelentes grupos de trabalho reunidos em Peniche
Leonor Sassetti, coordenadora científica do Curso de Saúde de Adolescentes, destaca “o grupo de trabalho muito funcional que foi criado em Peniche, com gente motivada e interventiva, a relatar experiências da sua prática clínica e a aplicar aquilo que ia aprendendo. Estivemos perante um ambiente formativo fantástico”. A edição deste ano do curso abordou alguns dos tópicos clássicos (o desenvolvimento psicossocial, a entrevista com o adolescente, a saúde sexual e reprodutiva, a saúde mental, entre outros), mas reservou tempo para um assunto que ganha terreno na consulta de MGF: as dietas realizadas pelos jovens, muitas vezes sem qualquer supervisão ou racionalidade.
“Os adolescentes adotam cada vez mais as chamadas dietas da moda, expressam a vontade de serem vegetarianos, ou de adotar um qualquer estilo de vida alimentar alternativo. Por isso, é importante que os médicos de família saibam que cuidados devem ser mantidos para que tais dietas sejam completas, que englobem todos os nutrientes necessários para uma fase em que os jovens se estão ainda a desenvolver. Para tal, contámos com a colaboração da Dr.ª Cláudia Minderico, formadora do Curso de Nutrição da Escola da Primavera, que dispensou algum do seu tempo para estar connosco”, frisou Leonor Sassetti.
Contribuir para o fim dos “mitos nutricionais”
Precisamente no Curso de Nutrição da Escola de Primavera estiveram em destaque matérias que começam a tornar-se rotineiras na procura de aconselhamento por parte dos utentes dos CSP, nomeadamente as relacionadas com os conselhos de nutrição e alimentação. Revela-se hoje, portanto, indispensável que os médicos de família ganhem capacidades acrescidas neste contexto, para mais sabendo-se que no campo da alimentação dita «saudável» reinam muitos e perigosos mitos.
José Luís Themudo Barata, coordenador científico desta formação, recorda que as pessoas, quando interessadas em melhorar a sua alimentação, “muitas vezes procuram informação por conta própria, na Internet e através de outros meios informais. É importante que os médicos de família providenciem outro tipo de informação e aconselhamento, mais rigoroso e científico, porém antes de o poderem fazer têm de estar preparados. Ora o grande drama é que ao longo de décadas as faculdades de Medicina em Portugal não ventilaram os temas do exercício e da nutrição. Diria mesmo que se por um lado é mau a população procurar aconselhamento de nutrição noutras fontes, por outro é bom para os médicos de família que não sejam muito procurados para este fim, porque seriam colocados numa situação difícil!”.
Segundo o diretor do Serviço de Nutrição e Atividade Física do Centro Hospitalar da Cova da Beira, é pois urgente “globalizar este género de formações para os médicos de família, algo que não contraria, de modo algum, a necessidade de mais nutricionistas no sistema de saúde. O nutricionista é peça chave em muitas situações nas quais é importante realizar cálculos quantitativos e outro tipo de avaliações de fundo. Todavia, para dar bons conselhos de base científica, sem incorrer em alguns mitos que ainda subsistem, podemos e devemos contar com o médico de família como primeira linha de aconselhamento”.
Themudo Barata reforça a relevância de se avançar com este treino para o aconselhamento nutricional dirigido a médicos de família, numa altura em que largas faixas da população estão expostas aos mais absurdos conceitos de vida saudável, que determinados interesses procuram vender a todo o custo: “durante o curso repeti uma frase que uso muito. Disse aos formandos que não conheço outras áreas que reportam à ciência onde existam tantos mitos e ideias pré-fabricadas como no sexo e na nutrição. Assim, durante estes dias tivemos a oportunidade de ir desmistificando algumas coisas nas quais as pessoas ainda acreditam”.
Formandos não ficaram desiludidos
Andreia Felizardo, interna do 1º ano de MGF na USF Eça (Barreiro), encontrou o que procurava no Curso de Atualização em Neurologia que frequentou: “este é um tema que abordamos diariamente, quer nas consultas de agudos, quer em reavaliação dos doentes. O exame neurológico e as patologias neurológicas têm uma prevalência muito grande nos CSP e é importante para mim aproveitar o período do internato para sistematizar algumas ideias nesta área, saber diferenciar aquilo que deve ser referenciado daquilo que pode ser acompanhado nos CSP”. Esta médica interna atesta a disposição por parte dos formadores para favorecer ao máximo a interatividade no curso: “no geral, penso que o modelo foi muito bem conseguido, sobretudo por via dos casos clínicos introduzidos, que permitiram uma discussão mais abrangente e direta de algumas dúvidas. O curso foi denso – não poderia deixar de o ser, face ao volume de patologia que enfrentamos neste campo – mas fiquei francamente satisfeita, sobretudo por nos possibilitarem trazer os «nossos» casos para o centro do debate”.
Hugo Gago (interno do 1º ano na USF D. Francisco de Almeida (Abrantes) também optou pelo Curso de Neurologia: “esta sempre foi uma área de que gostei muito, pelo que aproveitei a oportunidade de complementar os meus conhecimentos. Para este médico o curso foi “muito pragmático e dirigido ao essencial. Para nós, na MGF, importa-nos saber abordar a patologia, mas também estabelecer o contacto com a Neurologia e saber até que ponto os nossos limites de intervenção estão esgotados”.
Ricardo Araújo e Valter Moreira, ambos da USF Descobertas (Lisboa), preferiram frequentar o Curso de Nutrição, por diversos motivos, como explica Ricardo Araújo: “por um lado, registámos uma óbvia falta de formação sobre estas matérias da nutrição na faculdade. Por outro, queremos dar respostas às questões que os utentes nos colocam no dia-a-dia. É comum vermo-nos em situações de dúvida sobre o que recomendar ou não recomendar às pessoas que nos procuram, razão pela qual este curso acabou por constituir uma excelente forma de complementar as nossas competências”.
Valter Moreira recorda ainda que os médicos de família se confrontam no presente com o aumento da obesidade e da obesidade infantil na população portuguesa e acredita que embora tradicionalmente os utentes não recorram muito ao seu médico de família para resolver questões nutricionais, tal panorama terá tendência a mudar: “julgo que a procura deste tipo de aconselhamento poderá aumentar nos CSP, nos próximos anos. De facto, as pessoas deparam-se com cada vez mais informação (sobretudo retirada da Internet) sobre hábitos alimentares, acreditam em quase tudo e isto obriga-nos a estar melhor preparados para responder cientificamente às suas necessidades”.