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Em 2017 haverá concurso nacional de mobilidade para todos os MF

20º Congresso Nacional – Castelo Branco

No início de 2017 deverá ser organizado um concurso nacional de mobilidade aberto a todos os médicos de família (MF), anunciou no encerramento do 20º Congresso Nacional o coordenador da Reforma para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) na área dos Cuidados de Saúde Primários (CSP). Henrique Botelho acrescentou ainda que os critérios deste concurso serão conhecidos em breve. Presente na cerimónia de encerramento em representação do ministro da Saúde, aquele dirigente sublinhou que é hoje “fundamental relançar a reforma dos CSP, nas suas diversas dimensões, uma reforma que foi boicotada nos últimos anos e numa altura em que atingia a maturidade”. Henrique Botelho assegurou ainda que os médicos aposentados que aceitem voltar a trabalhar no SNS para colmatar faltas pontuais de MF no terreno poderão assumir listas até um máximo de 1917 UP, após negociação entre os próprios e o MS, sendo certo que a sua incorporação será válida apenas até ao momento em que estejam disponíveis novos especialistas para ocupar as vagas em questão. O que significa que em caso algum os recém-especialistas serão prejudicados durante este período transitório de medidas excecionais, tomadas para salvaguardar populações a descoberto.
 
Aumentar a resolutividade dos CSP
 
Cientes de que o SNS é afetado por um grave problema de incorreta utilização de recursos e serviços de saúde por parte dos utentes, prática que contribui para “entupir” as urgências hospitalares, replicar desnecessariamente atos médicos, de diagnóstico e terapêuticos e impedir melhores resultados em saúde, os MF reunidos em Castelo Branco puderam ouvir várias reflexões importantes sobre esta matéria. Rui Nogueira, presidente da APMGF, foi perentório: “temos de aumentar a resolutividade nas nossas unidades dos CSP, até porque o país conhece hoje um agravamento das estatísticas relativas ao acesso às urgências hospitalares”.

     

Todavia, para que tal se possa concretizar é imperioso que determinadas condições de trabalho estejam garantidas nas USF e UCSP. Em particular, um uso otimizado e fluido dos sistemas de informação, algo que não tem vindo a acontecer nos tempos mais recentes, face às limitações das redes, do parque informático e da falta de interoperacionalidade das aplicações clínicas. “O computador passou a ser um intruso na consulta e não faz qualquer sentido que tenhamos este tipo de problemas em pleno século XXI, janelas que é preciso abrir aqui e acolá, com diferentes passwords, computadores com que trabalhamos diariamente mas que a cada momento parecem «não nos conhecer». Note-se que o parque informático das unidades dos CSP tem dez ou mais anos, o que não é razoável. Por outro lado, contamos com um instrumento, a PEM, que é um verdadeiro Ferrari, mas não possuímos as estradas mais adequadas para o conduzir”. Face a todas condicionantes mencionadas, Rui Nogueira considera que é chegado o momento de os responsáveis por esta área no MS dedicarem algum tempo e investimento à arquitetura de sistemas.

 
Medicina Interna e MGF devem aliar-se em defesa do doente crónico
 
Convidado de honra deste 20º Congresso Nacional e conferencista no encerramento do evento, Luís Campos (presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna – SPMI), deixou bem claro que as duas especialidades, Medicina Interna e MGF, necessitam de se aproximar num campo crítico para o sucesso do SNS: “a Medicina Interna e a MGF devem ser aliadas, criar sinergias e desenvolver estratégias em conjunto para lidar com os doentes crónicos”. Uma das dimensões em que tal trabalho de parceria seria bem-vindo é o da produção de guidelines específicas para os doentes com multimorbilidades, como explicou Luís Campos: “é importante que colaboremos para criar guidelines específicas para doentes com multimorbilidades. O NICE já o fez e nós deveremos caminhar no mesmo sentido”. A concretizar-se tal ideia, tratar-se-ia de um movimento que romperia com uma velha tradição, a de assistir ao aparecimento de normas geradas por grupos de especialistas de órgão ou sistema, que não integram elementos provenientes das especialidades médicas holísticas e que se direcionam apenas para uma patologia. Um exemplo claro, invocado por Luís Campos, envolve a norma da DGS para a abordagem terapêutica farmacológica na diabetes mellitus tipo 2 no adulto, norma essa desenvolvida por endocrinologistas e um representante da DGS.
 
Eutanásia e distanásia continuam a produzir fraturas
 
Aguardado com especial sentimento de antecipação, o debate centrado na eutanásia foi aquilo que se esperaria que fosse: intenso, controverso e fraturante. Para José Manuel Silva, confesso opositor da prática de eutanásia, esta é essencialmente uma “questão de valores. Sobre estes valores devemos refletir bem, para tentar perceber que tipo de sociedade gostaríamos de deixar aos nossos filhos”. O bastonário da Ordem dos Médicos (OM) defendeu que os territórios onde a eutanásia é prática legal e diária, como na Holanda, Bélgica ou no estado norte-americano do Oregon, as investigações mostram que existe um elevado potencial para abusos e distorções, com doentes a poderem ser empurrados para a morte por pressões familiares e sociais, ou por profissionais de saúde menos escrupulosos: “não vale a pena dizer que a rampa deslizante não existe, porque ela é real. Na Holanda, as clínicas de suicídio assistido tornaram-se um negócio…”. O bastonário revelou-se especialmente chocado pelo facto de os dados denunciarem que o número de eutanasiados tem aumentado de forma drástica entre os grupos de cidadãos mais fragilizados, em particular idosos vítimas de bullying familiar, doentes mentais com baixa capacidade de discernimento e indivíduos com função cognitiva comprometida.
Já Paulo Pina, médico doutorado em cuidados paliativos, ressalvou que todo o debate público em torno da eutanásia acaba por ficar contaminado por outra questão crucial: a impreparação dos profissionais de saúde para acompanhar e guiar os seus pacientes no trajeto até uma morte que é natural e expectável.  

     

Esta impreparação (em alguns casos vinculada a negação), começa nos bancos das faculdades, onde os futuros médicos não são expostos a qualquer tipo de ferramentas ou conteúdos que lhes permitam ajudar os seus doentes a morrer, da mesma forma que os ajudam a viver. Tal desconforto em relação à morte, à sua antecipação e comunicação, conduz direta ou indiretamente à distanásia e a atos médicos irracionais, alvitra Paulo Pina: “porque mandam os MF para os hospitais – que são unidades de saúde para agudos – os seus doentes que morrem? É que estes doentes são depois sujeitos a múltiplos exames e análises…  alguém está preocupado, nesta fase, com o potássio ou a desidratação?”. Assim, o especialista em Medicina Paliativa resume: “vão mandar o doente para o hospital para quê, para encontrar desumanização? O futuro morto quer o «grandioso» MF…”.

Para Paulo Pina, é também sintomático que nas 50 principais “bíblias” das diversas especialidades médicas e cirúrgicas não se fale da morte e que em todos os internatos médicos este tema esteja praticamente ausente. “Espero que a Medicina Paliativa se venha a tornar um estágio obrigatório no internato de MGF, ao invés de optativo, como acontece no presente”, acrescentou.

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