“O interior do país para os médicos de família (MF) é Mafra, Sintra, Almada, Seixal, Vila Franca de Xira ou o Algarve. É aí que faltam os profissionais!”. Foi assim que o presidente da APMGF, Rui Nogueira, reagiu no decorrer do 20º Congresso Nacional à proposta de executivo de criar incentivos associados à deslocação de colegas para as regiões desertificadas do interior.
Aquele dirigente recordou que em distritos como Castelo Branco, Guarda ou Bragança, por exemplo, não existe carência de MF mas sim uma necessidade de reformular as atuais listas de utentes dos profissionais, tomando em consideração as características da população e do território que tornam praticamente inviáveis listas de 1750 utentes.
Por isso mesmo, a APMGF pretende avançar a breve trecho com um projeto e algoritmos específicos que permitam gerar listas em linha com o contexto local da prática médica do MF.
Transição entre internato e exercício autónomo tem de ser melhorada
Ficou evidente, durante este 20º Congresso Nacional, que se torna indispensável agilizar o trajeto que vai do final do internato médico da especialidade ao início da carreira dos jovens MF. Avançou-se, inclusive, com a possibilidade de pensar a médio prazo na passagem para um internato de MGF a cinco anos, com um quinto ano verdadeiramente profissionalizante. Até lá, são várias as soluções de recurso, como o surgimento de cursos curriculares focados na organização do trabalho do MF, de modo a converter a passagem num «rito menos traumático».
Um dos problemas que os jovens MF muitas vezes enfrentam é o condicionamento (ou a tentativa de condicionamento) da sua autonomia. Victor Ramos – MF na USF São João do Estoril e professor na Escola Nacional de Saúde Pública – aconselhou os colegas mais novos a cerrarem fileiras em torno dos valores naturais da especialidade e dos cuidados de saúde primários em Portugal: “conheço jovens que se deixam pressionar pela hierarquia e pelos dirigentes. É fundamental que todos consigam preservar a autonomia das equipas das USF e UCSP. A defesa da nossa autonomia é importante porque ela é, em si mesma, motivadora. As equipas sentem como algo de positivo poderem fazer o seu trabalho de acordo com as suas ideias e planeamento”.
Uma das experiências mais interessantes (e polémicas) desenvolvidas nos últimos anos para aumentar a autonomização dos internos e prepará-los para o início da carreira envolve as Unidades de Internos (UIN), nascidas no Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) Almada/Seixal. Estas unidades permitem a grupos de internos do 4º ano de MGF assumirem listas não nominais de utentes sem MF atribuído, em regime de intersubstituição. Os internos em causa contam com um acompanhamento próximo de orientadores e da direção de internato. Ana Barata, recém-especialista da UCSP Buraca (ACeS Amadora), integrou uma destas unidades e garante que a sua vivência pessoal na UIN foi positiva, mas ressalva que tal fórmula de autonomização pode, em certos casos, fletir para resultados menos favoráveis: “tive uma boa experiência, devido às colegas com quem cooperava, à infraestrutura física e à proximidade de orientadores que estavam localizados noutro piso do nosso edifício. A minha sensação era de que pertencia a um corpo clínico e que todas as colegas se protegiam mutuamente. Nunca uma de nós se ausentou da unidade, no final do horário, deixando outra colega sozinha. Todavia, também tive conhecimento de outras UIN onde as coisas se passavam menos bem e de forma diferente, com colegas a trabalharem em regime de rotatividade”.
MF desejam e necessitam de mais formação sobre espirometrias
Em Castelo Branco foram apresentados os resultados do EspiroPed, um estudo sobre os conhecimentos e práticas de espirometria em crianças e adolescentes asmáticos, por parte de pneumologistas, pediatras, imunoalergologistas e MF. O estudo foi desenvolvido a partir de um inquérito on-line distribuído pelas respetivas sociedades científicas que representam estas especialidades. No total, foram validados 423 inquéritos (264 provenientes da MGF). Da análise dos dados é possível perceber que somente 19% dos MF afirmaram que conhecem as principais «guidelines» internacionais relacionadas com testes funcionais respiratórios (ATS/ERS). Mais, o estudo mostra que apenas cerca de 30% dos MF afirmam usar a espirometria para diagnosticar e estratificar a gravidade da asma.
Talvez ainda mais relevante, 94% dos MF inquiridos declararam que gostariam de receber mais formação nesta área.
Segundo Carolina Constant (Centro de Estudos da Função Respiratória, do Sono e da Ventilação – Departamento de Pediatria do Hospital de Santa Maria), este estudo permitiu “identificar lacunas específicas a cada especialidade e ajudar-nos-á, eventualmente, a desenvolver no futuro estratégias em consonância com estas lacunas”.