Entrevista – Prof.ª Amanda Howe (Futura Presidente da WONCA Mundial)
Após ser eleita, em Praga, futura presidente da WONCA Mundial – com mandato a iniciar-se em 2016 – Amanda Howe (Reino Unido) quer dar a melhor continuidade aos feitos dos colegas Richard Roberts e Michael Kidd e, sobretudo, trazer todos os médicos de família para esse grande combate comum: a dignificação da especialidade.
A professora da Universidade de East Anglia e secretária honorária do Royal College of General Practitioners acredita que a WONCA deve ser mais enérgica em alguns domínios, a saber: o aumento do prestígio social, académico e profissional da Medicina Familiar – ainda escasso em muitos países – a partilha e discussão das histórias de sucesso identificadas na especialidade e os esforços lobistas a concretizar junto dos líderes mundiais do setor. Conquistas que não dependem de um dirigente – por muito hábil que este seja – mas sim do empenho generalizado da classe.
Foi recentemente eleita para liderar a WONCA Mundial, a partir de 2016. Como encara este dever e em que áreas fundamentais pretende incutir mudanças na organização, a bem da Medicina Familiar?
Prof.ª Amanda Howe – A minha missão será idêntica à dos meus antecessores: garantir que existe um médico de família para cada família, em todas as partes do mundo, assegurando que o trabalho realizado por estes profissionais é de boa qualidade (graças a condições laborais dignas, formação e recursos adequados). É preciso, também, garantir que os alunos escolhem a Medicina Familiar numa perspetiva de carreira. Mesmo em países europeus como aquele em que vivo, é muito complicado fazer com que um aluno se comprometa com a Clínica Geral/Medicina Familiar, porque esta surge ainda associada a fracos níveis de visibilidade e de prestígio, no meio profissional.
No Reino Unido, apenas cerca de 25% dos alunos de Medicina escolhem a Clínica Geral, quando necessitaríamos de aproximadamente 50%. A disciplina não é sequer reconhecida como uma especialidade autónoma, o que acaba por explicar a posição dos jovens médicos, já que temem ficar desprovidos de uma carreira e até de um estatuto social honroso.
Temos, de facto, de trabalhar nestas dimensões do recrutamento e das condições de progressão na carreira.
Mas de que forma pode a WONCA, enquanto organização, contribuir para esse esforço?
A WONCA tem, desde logo, uma rede de formação e educação dentro da sua estrutura, que pode atuar neste campo. Aprovámos, também, em sede de Conselho um novo standard internacional para a formação pós-graduada. É importante agir através de medidas muito concretas, como estas e muitas outras. Cada escola médica, por exemplo, deve ter necessariamente um Departamento de Medicina Familiar no seu interior e cada aluno de Medicina deve passar, de forma obrigatória, por períodos formativos em que toma contacto com a experiência do exercício da Medicina em contexto comunitário e em consultórios de médicos de família, para que possa entender o que significa a especialidade.
Nos países em que a especialidade ainda não é reconhecida, julga que a WONCA terá a capacidade para agir ao nível do lobbying político e administrativo, a fim de mudar o cenário?
Claro que sim. A WONCA atua quer através das suas redes e estruturas regionais, quer através de iniciativas de lobbying político global. O discurso lido pela Dr.ª Margaret Chan (directora-geral da OMS) na abertura da última Conferência da WONCA Mundial, através do qual defendia o aumento do número de médicos de família e do leque das suas responsabilidades, é um reflexo direto desse trabalho levado a cabo nos últimos anos.
A WONCA tem estado, então, empenhada em ações persuasivas (públicas ou de bastidores) que conduzam a resultados palpáveis?
Sim. Na realidade, muitos governos nacionais declaram intenções de incrementar os cuidados de saúde primários, mas depois necessitam do nosso apoio e aconselhamento, no sentido de perceberem o que isso na verdade implica, em termos práticos, qual o aspeto que deverá assumir um bom serviço de cuidados de saúde primários.
È interessante relembrar, neste domínio, que vários países de baixos rendimentos conseguiram alcançar nos últimos anos avanços significativos na consolidação dos seus cuidados de saúde primários, nações como o Ruanda, ou o Brasil. São países que apesar das dificuldades estruturais que vivenciam, conseguiram criar sistemas que caminham na direção daqueles que encontramos no Reino Unido, na Holanda ou em Portugal.
Ou seja, é também importante para a WONCA dar uma maior visibilidade aos casos internacionais de sucesso, enquanto potenciais catalisadores de mudança?
Claro. É muito importante que a WONCA e as suas lideranças façam algumas coisas de forma diferente, no futuro. Temos de melhorar, na tarefa de fornecer informação aos nossos membros, que estes possam utilizar no seu próprio contexto. Devemos compreender que o presidente da WONCA não pode estar em todos os locais, ao mesmo tempo, para veicular as mensagens chave. Nenhum sistema pode funcionar com base em apenas um ou dois patronos.
Todos nós que estamos envolvidos no movimento associativo, a um nível local, nacional e regional, temos de saber atuar como advogados da Medicina Familiar, para que o bom trabalho que é concretizado em algumas partes do mundo seja transportado ao longo de todas as regiões da WONCA e se torne conhecido, seja capaz de inspirar reformas.
Por isso mesmo, julgo que conferências como aquela que irá decorrer em Lisboa, no próximo ano, abrem as portas para uma ampla troca de informações e para um maior empenho por parte de todos os membros da organização e de todos os médicos de família.
Deste tipo de encontros e intercâmbios podem nascer, quiçá, breves documentos estratégicos sobre áreas críticas para os cuidados de saúde primários. Assim, quando algum governo local perguntar aos representantes da especialidade o que pode ser feito para alterar o estado de coisas, estes podem encontrar suporte num documento consensualizado e apresentar recomendações em consonância.
As comunidades locais de Medicina Familiar podem, de certa forma, sentir-se espelhadas nesses documentos consensualizados e debatidos a partir da base, suponho?
Espero que sim, mas para isso é fundamental que sejamos capazes de criar mensagens mais simples e de as traduzir para um número alargado de línguas. Dependemos muito das regiões, para concretizar passos imprescindíveis.
Por exemplo, pegar em mensagens cruciais (como a do impulso da Medicina Familiar nas escolas médicas), traduzi-las para a língua local e levá-las até quem dirige as faculdades de Medicina, dizendo-lhes: aqui estamos nós, acompanhados de um conjunto de ideias que faz todo o sentido do ponto de vista educativo; tragam-nos os alunos!