18º CNMGF
O equilíbrio entre o sobrediagnóstico e o impacto positivo sobre a morbilidade e mortalidade dos doentes é difícil de alcançar, no âmbito do rastreio do cancro da mama. Trata-se de um assunto polémico na comunidade médica e, perante os desenvolvimentos dos últimos anos e as mais recentes evidências científicas, há já quem questione a mais-valia de submeter as mulheres a este tipo de rastreios. Para separar o trigo do joio e perceber quando e em que circunstâncias tais atividades preventivas fazem sentido, o 18º Congresso Nacional incluiu uma mesa redonda intitulada “Sobrediagnóstico e Rastreio do Cancro da Mama”. Moderada por Luiz Miguel Santiago (USF Topázio) e com os contributos de Alexandra Fernandes (USF Fernão Ferro mais), Bruno Heleno (Universidade de Copenhaga) e Vítor Rodrigues (epidemiologista da Faculdade de Medicina de Coimbra e responsável no Núcleo Regional do Centro da Liga Portuguesa contra o Cancro – LPCC), esta mesa acabou por motivar acesa discussão e mostrou como nesta matéria os profissionais se mantêm ainda bastante polarizados.
Numa abordagem ao programa de rastreio de base populacional levado a cabo pela LPCC (um programa controlado com elevados parâmetros de qualidade, suportado em duplas leituras cegas das mamografias realizadas por radiologistas experientes e em consulta de aferição), Vítor Rodrigues ressalvou que na região centro – onde o programa arrancou mais precocemente – se verificou pela primeira vez uma redução na mortalidade por cancro da mama: “entre os anos de 2005 e 2009, confirmou-se pela primeira vez uma redução da mortalidade, com menos 4% ao ano”.
O mesmo epidemiologista acredita que será possível, um dia, dispensar programas de rastreio de base populacional como aquele desenvolvido pela LPCC, mas apenas se fora dele forem criadas as condições para que a prevenção decorra de forma sistematizada e com altos índices de fiabilidade: “se daqui a 10 anos não existirem programas de rastreio ao cancro da mama, ficaria muito satisfeito. Porque isso significaria que a organização do sistema de saúde estará tão desenvolvida, com um tal controlo de qualidade, que consegue garantir resultados similares aos dos melhores programas de rastreio atuais”.
Sobrediagnóstico encerra fardos pesados para as mulheres
De acordo com Bruno Heleno (médico de família e doutorando no Departamento de Saúde Pública da Universidade de Copenhaga) – e com base na recolha de dados por si efetuada – é bom ter cautelas especiais com a estruturação dos programas de rastreio ao cancro da ama: “através dos programas de rastreio, acabamos por determinar um repositório de casos de cancros da mama que nunca apresentariam repercussões clínicas, nunca progredindo para sintomas ou para a morte, durante o período de vida do doente”.
Aqui parece residir um dos argumentos mais fortes contra os programas de rastreio, a capacidade que estes revelam de incorrer no sobrediagnóstico ou em falsos positivos, desencadeando processos terapêuticos não só desnecessários, como prejudiciais à estabilidade emocional, qualidade e esperança de vida de muitas mulheres.
MF carece de normas claras para orientar as utentes
Confrontados com as interrogações das suas pacientes, muitos MF sentem-se um pouco desamparados relativamente ao aconselhamento que devem oferecer no que concerne à participação (ou não) em rastreios para o cancro da mama.
Segundo Alexandra Fernandes, é antes de mais necessário estratificar o risco da mulher que o médico tem à sua frente, de modo a encaminhá-la da melhor forma possível. O problema é que não abundam ferramentas de cálculo de risco adaptadas a realidade nacional, como atesta a MF da USF Fernão Ferro mais: “existem vários calculadores de risco, auto-preenchíveis pelas mulheres. Contudo, são baseados em dados extraídos de outras populações (americana, australiana, etc.)”.
No decurso da sua pesquisa sobre recomendações nacionais e internacionais acerca da participação de mulheres em rastreios ao cancro da mama – tendo em conta a sua faixa etária – Alexandra Fernandes deparou-se com a ausência de orientações para determinados grupos de risco, em particular para as mulheres que não pertencendo ao grupo de risco elevado, apresentam um índice de risco moderado. “Não existem orientações nacionais sobre o que fazer com estas mulheres que apresentam um risco moderado, algo que deixa o MF numa posição difícil, ao nível do aconselhamento (…) Julgo que este seria um tema interessante a incluir em futuros debates que possamos vir a ter com os colegas da Senologia”, avançou a coordenadora da USF Fernão Ferro mais.