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Recursos médicos estão mal distribuídos pelo território

Relatório de Primavera 2015 do OPSS indica:

O Relatório de Primavera 2015 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), apresentado publicamente hoje – 16 de junho – na Fundação Calouste Gulbenkian, garante que em Portugal os médicos estão mal distribuídos, que há escassez de enfermeiros, que as taxas moderadoras são elevadas e que é cada vez mais difícil o acesso a camas hospitalares e a medicamentos.

O relatório alerta, ainda, para o facto de se ter verificado uma diminuição constante do número de consultas nos cuidados de saúde primários (CSP), desde 2008. “O número de consultas médicas «per capita» e por ano é muito inferior à média da OCDE. Tal foi parcialmente compensado com um ligeiro aumento das consultas médicas domiciliares e com um expressivo aumento das consultas domiciliares de enfermagem”, atesta o documento. Em contraposição, o relatório lembra que “o número de consultas médicas, nas consultas externas dos hospitais públicos, tem aumentado consistentemente”.

Ao nível dos recursos humanos em saúde, pode ler-se no documento que “persiste um rácio de médicos por habitante adequado, mas inadequadamente distribuído pelo território, com clara vantagem para as regiões urbanas”.

Baseando-se nos dados da ACSS, o Observatório indica que houve uma diminuição de médicos de 1,4% de 2012 para 2013, ao mesmo tempo que se verificou um incremento de 13,02% no número de médicos em internato. Sobre o acesso aos serviços de urgência, os peritos do OPSS revelam que, “a par com uma redução da procura, verificada ao longo dos últimos anos, que coincide temporalmente com a alteração das taxas moderadoras, existem fenómenos sazonais, associados às previsíveis vagas de calor e picos de gripe, com aparente excesso de procura e/ou incapacidade de resposta dos serviços”.

Nos hospitais públicos, o número de camas disponíveis continua a diminuir, enquanto aumenta nos privados. Nos cuidados continuados mantém-se abaixo das necessidades da população (menos de 30%), revela também o relatório. Quanto à Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), o relatório do OPSS sublinha que, apesar do aumento de camas, este “não responde às necessidades estimadas das pessoas acamadas”.

USF voltam a ser identificadas como fator chave para o investimento

A ex-Alta Comissária da Saúde, Maria do Céu Machado, garantiu na apresentação pública do relatório que grande parte dos desfasamentos detetados no SNS pode ser corrigida com novo impulso dado às unidades de saúde familiar (USF). “Sempre fui grande fã das USF”, declarou na ocasião Maria do Céu Machado.

Já a deputada do Partido Socialista e ex-ministra da Saúde Maria de Belém Roseira considera que “mais importante do que pensar em quanto gastar no sistema de saúde, é pensar em como gastar”, de forma a corrigir os desvios identificados.

Convidado a comentar as conclusões do relatório relativamente aos CSP, Armando Brito de Sá (coordenador da USF Conde Saúde) explica que no interior desertificado “identificam-se necessidades prementes de cobertura de uma população que, sendo maioritariamente idosa, carece ainda de recursos económicos e de capacidade física para se deslocar. Nestas regiões encontramos, com regularidade, instalações com boas condições mas que se encontram desocupadas pela falta de profissionais de saúde”.

Por outro lado, Armando Brito de Sá alegou que o modelo atual de concurso e colocação de profissionais de saúde “não funciona quando estão em causa localizações mais afastadas dos centros urbanos” e que perante o cenário presente “continuarão a verificar-se dificuldades na dotação de médicos nas regiões interiores e rurais. Do meu ponto de vista, será necessário introduzir soluções que já foram validadas em outros países, como a garantia ao médico de um posto de trabalho num centro urbano de referência, após um período de tempo a negociar em que prestará serviço numa dessas regiões isoladas. Trata-se de uma metodologia já usada em países como o Canadá ou a Austrália, tendo funcionado ao longo de décadas”.

O coordenador da USF Conde Saúde recordou também que embora todos os recém-especialistas de MGF, após concluírem o internato, desejem trabalhar numa USF em vez de no tradicional modelo de organização dos CSP, “quando se candidatam a uma USF modelo B veem quase sempre esse acesso negado. Como resultado, alguns dos nossos mais bem treinados médicos de família das últimas gerações estão a abandonar o SNS, seja para a área privada, seja para o estrangeiro, por sentirem que aceitar trabalhar numa UCSP corresponde a um retrocesso na sua carreira profissional ”.

Leal da Costa considera que relatório se focou apenas em aspetos negativos

Presente na revelação das principais conclusões deste relatório, Fernando Leal da Costa (secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde) considerou que os relatores poderiam ter diversificado as fontes de informação e colocado ênfase em algumas dimensões de desenvolvimento do SNS que, na sua ótica, conheceram um avanço muito positivo nos últimos anos: “este relatório, que se apresenta de uma forma mais objetiva que em anos anteriores, poderia ter tido a preocupação de usar mais fontes de informação e ser mais atual em algumas áreas onde há dados disponíveis. Poderia, também, ter tido a preocupação de sublinhar vários aspetos positivos – alguns comparativamente muito positivos – em vez de se centrar nos aspetos negativos, que não deixam de ser relevantes para quem, como nós, conseguiu devolver o SNS a uma rota de qualidade sustentável”.

Para o governante, a resposta à dúvida sobre se o acesso ao SNS está hoje em risco é clara: “não. Os indicadores mostram a realidade com clareza. Está tudo documentado. Vive-se mais, há menor mortalidade precoce, há dados muito melhorados em diversas patologias, como a tuberculose, a SIDA ou a doença coronária isquémica. Podemos estar descansados que será sempre assim? Certamente que não! Mas encontrámos um sistema falido, minado pelo desperdício e vulnerável à fraude, com ineficiências notórias. Consertámos o que tinha de ser reparado e deixamos um legado que a história julgará, com a imparcialidade que alguns analistas ainda não conseguem ter”.

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