Política de saúde

Reforma dos CSP entrou num novo ciclo mas está longe da condição ideal

Protagonistas de conferência APEGSAUDE parecem concordar:

Responsáveis da Coordenação Nacional para a Reforma dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), dirigentes de associações sócio-profissionais do setor e da Ordem dos Médicos, diretores executivos e presidentes de conselhos clínicos deixaram bem evidente, no decurso da conferência «Cuidados Primários: Um Novo Ciclo? Uma Reforma?» e do debate que se lhe seguiu – iniciativas promovidas pela APEGSAUDE – que embora com sinais positivos, a reforma dos cuidados primários necessita de avançar rápido e bem em áreas chave onde se encontra deficitária, em particular na consolidação dos mecanismos de verdadeira governação clínica.

Ao mesmo tempo que resenhava as sete ameaças e sete oportunidades que envolvem o atual estado de desenvolvimento da reforma, João Rodrigues (presidente da USF-AN), frisava que a forma como o executivo visiona a direção estratégica da reforma está distante da desejada pela maioria dos profissionais: “o governo deu-nos um coordenador para a reforma dos CSP, quando aquilo que realmente desejávamos era uma estrutura de missão, que funcionasse na dependência direta da Presidência do Conselho de Ministros. Mas isto que temos hoje é melhor do que nada”. Ainda segundo João Rodrigues, existe ainda muito caminho para fazer, mas justificadas esperanças podem ser colocadas em vários dossiês que estão perto de um desenlace. A começar pelo estudo encomendado pelo governo à Escola Nacional de Saúde Pública sobre a relação de custo-efectividade das USF em modelo B, cujos resultados são esperados para breve: “temos de ultrapassar de uma vez por todas esta barreira. Os profissionais já sabem que estas unidades comportam vantagens neste domínio, mas há que comprová-lo de modo inquestionável”. O novo decreto-lei das USF, que será preparado durante o presente ano, é outras das dimensões em que o presidente da USF-AN acredita ser possível marcar a diferença, não só porque o diploma conterá os critérios de manutenção do estatuto de USF, como trará clareza no campo das incompatibilidades e conflitos de interesse dos membros destas equipas de saúde. João Rodrigues acredita também que se darão passos importantes em 2017 no âmbito da contratualização (com a introdução de um índice de desempenho global nacional) e no pagamento dos incentivos institucionais, uma vez que no Orçamento de Estado (OE) de 2019 talvez já seja possível inscrever especificamente as verbas que permitirão às ARS aplicar os referidos incentivos nas unidades. Numa nota mais negativa, João Rodrigues encontra motivos de reparo no tipo de apoio de proximidade que o Ministério de Saúde oferece (ou, neste caso, não oferece) às unidades: “as USF têm sido muito pouco apoiadas pelos conselhos diretivos das ARS, conselhos clínicos dos ACeS e Equipas Regionais de Apoio (ERA). De facto, as ERA estão muito pouco capazes, do ponto de vista dos recursos humanos, para prestar tal apoio”. Por outro lado, ao analisar o OE para este ano, o presidente da USF-AN não descortinou qualquer inscrição de verbas, quer para investimento, quer para custos correntes nos CSP, um mau indício na sua opinião. O obstáculo que, no entanto, mais parece preocupar João Rodrigues é a resistência do aparato administrativo da saúde face à mudança e à eventual perda de poder: “a reforma de instituições como a ACSS, os SPMS ou as ARS não foi concretizada, pelo que continuamos numa lógica de comando e controlo. Enquanto permanecermos com este modelo, será muito difícil qualificarmos a nossa Administração”.

Coordenação procura cumprir o calendário da reforma

Nesta conferência, o Coordenador Nacional para a Reforma dos CSP, Henrique Botelho, reconheceu que “é sempre muito difícil cumprir um calendário quando estamos perante um desafio complexo e se procura mudar políticas”. Apesar de tudo, o dirigente ressalva que muito tem sido possível realizar, a começar pela entrada em cena do Portal do SNS, “que possui informação que vai desde o todo nacional até não nível do profissional de saúde, dados esses que estão permanentemente atualizados”.

O Coordenador para a Reforma dos CSP lembrou, também, que em 2016 foram iniciadas experiências-piloto em vários ACeS de diferentes partes do país, centradas no aumento da resolutividade dos cuidados primários (Medicina Dentária em unidades de Lisboa e Vale do Tejo e Alentejo, cuidados oftalmológicos na região do Grande Porto e alargamento da realização de Holter, MAPA e ECG no Alentejo e Algarve). Resta, todavia, um longo percurso a percorrer e já em 2017 esperam-se algumas novidades. No que respeita ao futuro decreto-lei das USF, Henrique Botelho garante que “provavelmente existirá uma segunda fase de modificação do decreto” ao longo do ano, fruto da necessidade de padronizar a listas de utentes dos médicos de família de acordo com critérios racionais e em linha com o contexto presente de exercício clínico, algo que só poderá acontecer no âmbito da negociação de um novo modelo remuneratório. De referir que a matéria da redefinição de listas de utentes está a ser estudada dentro da Coordenação, mas também pela APMGF, que poderá contribuir para este objetivo comum por via do algoritmo que desenvolveu recentemente. De acordo com Henrique Botelho, esta redefinição das listas de utentes pode atualmente ser concretizada com muito mais rigor do que no passado: “hoje em dia, temos dados e ferramentas que nos permitem avançar. Em 2007, estávamos no início do processo da informatização da saúde e todos os dados que se apresentavam eram tidos por verdadeiros com base somente na confiança”.

Pequenos-grandes escolhos

Como em qualquer processo reformista, também a transformação dos CSP é afetada por fatores inesperados que emperram a engrenagem da mudança. Um dos principais parece residir ao nível da gestão dos ACeS, como se comprovou durante o debate que reuniu representantes de várias instituições da saúde. Avelino Pedroso, diretor executivo do ACeS Pinhal Interior Norte, não escondeu o sentimento de desamparo que toma conta dos diretores executivos: “encontramos uma grande hierarquia e peso sobre os ACeS e os seus órgãos, que nunca foram dotados da totalidade dos meios de que necessitam. Os diretores executivos sentem-se por vezes muito sós”. O mesmo responsável acrescenta que para os ACeS conquistaram a autonomia que é sua, pela letra da lei, “seria importante a celebração de verdadeiros contratos-programa, similares aos dos hospitais”.

Manuela Peleteiro, diretora executiva do ACeS de Lisboa Norte, sublinha que é muito complicado os ACeS contribuírem para o avanço da reforma quando estão dependentes de condições estruturais que, em simultâneo, não controlam e os limitam na sua ação: “tenho uma USF formada desde dezembro de 2016, cheia de pessoas motivadas, que não pode arrancar porque a UCSP de onde saem os profissionais ficaria sem enfermeiros e secretários clínicos”. A propósito desta questão da real autonomia dos ACeS, João Rodrigues deixou um alerta à navegação: “os agrupamentos, conforme surgem na lei, não existem no presente porque as ARS e o Ministério da Saúde não querem ceder poder. É preciso dizer as coisas como elas são!”. O dirigente da USF-AN questiona-se mesmo sobre onde estão os recursos humanos qualificados para levar a cabo a governação clínica e de saúde no seio dos ACeS.

Já para Rui Nogueira, presidente da APMGF, torna-se manifesto que “na reforma dos CSP ainda não passámos da adolescência à fase adulta, investindo na governação clínica. Note-se que os conselhos clínicos são a verdadeira pedra de toque dos ACeS e não têm contado com recursos imprescindíveis e pessoas dedicadas a tempo inteiro”.

Também num patamar mais básico faltam requisitos a esta reforma para que os profissionais possam fazer bem o seu trabalho, mostrou Rui Nogueira: “existe carência de recursos físicos em alguns locais. Se, por exemplo, fosse possível facultar hoje os 500 médicos de família que faltam em Lisboa e Vale do Tejo, eles não teriam onde se sentar, porque faltam gabinetes e infraestruturas. Por outro lado, ao nível dos sistemas de informação (SI) demos passos maiores do que as pernas. A verdade é que eles não funcionam, ou funcionam durante parte do dia e não funcionam em outras alturas. Não é possível fazermos bem o nosso trabalho com estes SI, estes computadores e esta PEM”.

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