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TdC considera que a reforma dos CSP carece de avaliação e transparência de resultados

Relatório de auditoria já foi divulgado:

Foi ontem (6 de agosto) conhecido o relatório do Tribunal de Contas (TdC) que resulta da auditoria ao desempenho das unidades funcionais dos cuidados de saúde primários (CSP), um documento no qual se garante que é hoje extremamente difícil conhecer em detalhe as poupanças para o sistema de saúde e os ganhos em saúde para a população, motivados pela reforma, uma vez que “apesar da criação dos ACES e das USF, não foram produzidas avaliações, ex ante e ex post, que evidenciem e quantifiquem os ganhos em saúde e a correspondente racionalização de custos, bem como a confirmação de uma prestação mais efetiva suportada pela introdução de incentivos às USF e aos seus profissionais”.

Os auditores avançam ainda que “a implementação da reforma dos cuidados de saúde primários ainda não alcançou os níveis de autonomia de gestão e responsabilização que se pretendiam com a introdução de um novo regime de organização e de novas tipologias de unidades funcionais”.

O documento sublinha que a “abertura de novas USF não é precedida de uma avaliação do seu custo-benefício” e acrescenta que “não existem estudos sobre os impactos orçamentais da generalização da prestação de cuidados de saúde primários através de USF de modelo B, nem uma estimativa dos ganhos passíveis de ser gerados, para o SNS como um todo”.

Em realce é também colocado o “impasse na reconfiguração da rede de prestação de cuidados primários”, sendo referido que “as USF coexistem com os centros de saúde tradicionais, agora denominados UCSP, que ainda representavam, em 2012, cerca de 60% no universo de unidades funcionais”.

 

Auditores menorizam poupanças das USF e atacam sistema remuneratório do modelo B

 

Em contraposição a quase todas as análises e estudos efetuados e divulgados até ao momento, o relatório de autoria do TdC garante que a criação e disseminação das USF não redundou numa redução de custos para o SNS, já que segundo os auditores “nas USF do modelo B, as poupanças significativas obtidas no que respeita aos custos unitários com medicamentos e com MCDT, sobretudo face às UCSP, são em parte absorvidas pelos maiores custos com pessoal, particularmente se considerado o custo por utente utilizador (…) Existe assim um trade-off entre a diminuição conseguida em termos de custos com prescrições de medicamentos e MCDT e o aumento de custos com pagamentos ao pessoal resultante da criação das USF modelo B”.

O relatório inclui uma forte critica ao sistema retributivo aplicado nas USF modelo B, garantindo que naquelas unidades “os acréscimos à remuneração do pessoal médico representam 203% da remuneração base recebida e os acréscimos à remuneração do pessoal de enfermagem e assistente representam 95% e 82% da remuneração base auferida, sugerindo que existe alguma desproporção entre o valor dos salários base e os valores das restantes componentes remuneratórias”.

O assalto continua, com os auditores a assegurarem que os acréscimos remuneratórios em vigor nas USF modelo B “constituem uma amálgama, diversificada e complexa, de diversas componentes, por vezes sobrepostas entre si, com indícios de não se encontrarem adequadamente suportadas, validadas ou auditadas”. No documento pode ainda ler-se que “a estrutura remuneratória aplicável aos profissionais que integram a equipa multi profissional da USF modelo B, tal como está concebida, propicia um aumento expressivo da remuneração dos profissionais, que pode não estar justificado pelos eventuais ganhos de eficiência obtidos, uma vez que estes resultam de uma redução dos custos unitários com medicamentos e MCDT prescritos, cuja adequação não se encontra demonstrada”. Por todas estas razões – e muitas outras expostas no relatório – é redigida a seguinte sugestão: “a manutenção do direito às componentes remuneratórias (suplementos, incentivos e compensações pelo desempenho), conforme delineado para profissionais das USF do modelo B, carece de revisão por parte do legislador”.

O relatório do TdC censura também a forma como tem decorrido a contratualização com as unidades dos CSP, afirmando que esta “não tem sido suportada por uma metodologia transversal que inclua a priori um estudo regional das necessidades em saúde e dos níveis de oferta precisa de serviços públicos, nem da elaboração de orçamentos (anuais/plurianuais) específicos”, acrescentando ainda que “os indicadores contratualizados caracterizam-se por serem indicadores de processo, relacionados com os procedimentos instituídos ao nível da prática clínica, e não de resultados em saúde, diretamente relacionados com a saúde dos utentes”.

Os auditores frisam que “as ARS não têm procedido à revisão dos indicadores contratualizados nem das metas fixadas”, que o “processo de contratualização é tardio (ou inexistente), prejudicando o ciclo anual de planeamento, execução e avaliação das atividades” e que “no processo de acompanhamento e avaliação do desempenho, as ARS não estabeleceram ainda rotinas de verificações (…)”.

 

Excluir utentes das listas é atitude censurável

 

Para os juízes conselheiros do TdC a exclusão de utentes das listas dos médicos de família, levada a cabo em muitas unidades dos CSP quando os referidos utentes permanecem inativos durante anos consecutivos, “pode não se coadunar com o caráter preventivo e de promoção da saúde que também caracteriza a atividade dos cuidados de saúde primários, justificando-se uma atitude pro ativa de captação de doentes sem contactos registados”. É, igualmente, referenciado o potencial para desigualdades e assimetrias encerrado na forma como se atribui hoje ao utente um médico de família (por endereço de residência), situação que deixa o utente na dependência do dispositivo assistencial montado nas suas imediações e condicionado na sua liberdade de escolha, dentro do sistema de saúde.

Para além das objeções levantadas contra a conduta administrativa das ARS neste domínio, o relatório não esquece também que o Ministério da Saúde falhou, na meta de atribuir um médico de família a cada cidadão inscrito, sublinhando que em dezembro de 2012 um total de 1.657.526 utentes inscritos em UCSP ainda não tinham médico de família atribuído. Embora reconheça que graças à criação das USF 569.580 utentes passaram a contar com um médico de família, o relatório ressalva que estes números “foram insuficientes para compensar a diminuição global do número de médicos de família”.

Os auditores propõem também um conjunto de recomendações ao governo, entre as quais se conta a clarificação legal do “regime remuneratório dos profissionais integrados em USF, designadamente as de modelo B, por forma a não subsistirem dúvidas quanto à natureza dos eventuais suplementos e compensações pelo desempenho”, a “atribuição efetiva de médico de família a todos os utentes sem médico de família”, a adoção de iniciativas “apropriadas no sentido de determinar como maximizar as horas consagradas à consulta por aligeiramento da carga administrativa e não assistencial dos médicos”, ou a elaboração de “um estudo sobre os impactos orçamentais da generalização da prestação de cuidados de saúde primários através de USF de modelo B”.

Ao Conselho Diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) é recomendado que proceda à atualização da “lista de utentes inscritos nas unidades de cuidados de saúde primários, sem prejuízo do direito de todos os utentes à atribuição efetiva de um médico de família”, bem como à redução do “número de indicadores contratualizados, tornando-os simples, diretos, concretos, exigentes, realistas, hierarquizados, auditáveis e percetíveis pelos contribuintes”. À ACSS solicita-se ainda a “realização anual de um ranking, bem como do benchmarking de eficiência económica e da atividade desenvolvida pelas diversas tipologias de unidades que prestam cuidados de saúde primários, designadamente entre USF do modelo B, modelo A, UCSP e as mesmas tipologias quando integradas em ULS, publicitando os resultados no sítio institucional”.

Já aos Conselhos Diretivos das ARS exige-se que aprovem até 31 de dezembro de cada ano os contratos-programa com os ACES, promovam a “revisão e ajustamento, anual, de indicadores e metas a contratualizar” e aprovem “um plano de ação calendarizado de acompanhamento, fiscalização e avaliação da execução dos contratos-programa e das cartas de compromisso (…)”.

Refira-se que o relatório do TdC já passou pela fase de contraditório, durante a qual recolheu contributos de várias entidades do setor, que se encontram plasmadas no documento. Poderá consultar este relatório no site do TdC.

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