Nova métrica para a lista de utentes
Depois de meses de desenvolvimento e aperfeiçoamento – por parte da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) e da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) – de um novo índice de complexidade do utente que permite definir com maior exatidão a carga de trabalho dos médicos de família (MF), é chegada a altura de testar a nova métrica no terreno, sem perder mais tempo. Esta é a principal ilação que se pode retirar do Fórum «Redimensionamento da Lista de Utentes», realizado em Lisboa nas instalações da ACSS e que envolveu não só representantes daquelas entidades, mas também muitos dirigentes sindicais médicos, da Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar, de administrações regionais de saúde, diretores executivos e presidentes de conselhos clínicos de agrupamentos de centros de saúde, presidentes do conselhos de administração das unidades locais de saúde, diretores de departamentos de contratualização e coordenadores das equipas regionais de acompanhamento das ARS.
“Está na altura de obtermos consensos e avançarmos para a fase seguinte. Já ninguém quer esperar mais dez anos enquanto conta cabeças ou estuda variáveis desconhecidas, quando temos um acervo de informação relevante. que conhecemos e que nos pode ajudar a criar listas mais racionais”, declarou Ricardo Mestre, vogal do Conselho de Diretivo da ACSS. O dirigente assegurou que este fórum foi uma manifestação evidente de que a ACSS quer discutir “de forma aberta, dialogante e transparente” a ponderação da lista de utentes e que aquilo que foi construido até agora foi “uma solução em função das necessidades dos doentes, baseada na informação real e atual que os médicos de família portugueses codificam todos os dias. Este é o contributo que podemos dar para colocar efetivamente o utente no centro do sistema”.
Rui Nogueira, presidente da APMGF, acentuou a urgência de aplicar este índice de complexidade com a máxima rapidez, se possível para balizar já as listas dos recém-especialistas que participarão no concurso de ingresso de maio próximo. Não só porque existe uma janela de oportunidade até 2024 com a renovação geracional da MGF e um potencial excedente de recursos humanos, mas também para motivar os jovens especialistas a ficarem no SNS: “não queremos de certeza desencantar os novos colegas e se desperdiçarmos esta oportunidade não teremos outra. No ano passado já perdemos médicos e vamos continuar a perder se não formos inteligentes na sua distribuição pelo território, unidades e populações, se não alterarmos o método que utilizamos para definir as listas de utentes. Isto porque é impossível e insuportável insistir nas dimensões de lista atuais. Estes jovens colegas não estão para aturar aquilo que nós, com dez, vinte ou mais anos de carreira suportámos”. Para o presidente da APMGF, a imensidão da tarefa que está por diante não é desculpa para o imobilismo, para deixar tudo na mesma: “sabemos que terão de existir negociações com os sindicatos, que é indispensável alterar leis e hábitos, que será difícil. Mas se fosse fácil já teria sido feito… Temos de dar um passo em frente, colocar a nova métrica em prática e isto deve processar-se de modo rápido. Aliás, após um próximo encontro que temos já agendado com a ACSS para apurar pormenores, pretendemos agendar uma reunião com o Sr. Ministro, no sentido de estudarmos medidas práticas que nos conduzam à possibilidade de atribuir listas já criadas de acordo com o novo índice de complexidade para os especialistas que ingressam em maio”.
Henrique Botelho, Coordenador Nacional para a Reforma do SNS na área dos Cuidados de Saúde Primários (CNRSNS), lembrou que no presente é “necessária ponderação nas listas para não cairmos na infelicidade de prestarmos um serviço que poderia ser claramente melhor”, mas frisou contudo que a nova métrica só produzirá efeitos e será levada a sério se assumir letra de lei: “tudo isto só fará sentido se passar à forma de legislação, se formos capazes de introduzir um melhor instrumento legislativo do que aquele de que dispomos hoje. Agora, é preciso que se tenha consciência que a aposta neste novo instrumento vai desencadear um encadeado legislativo, com alterações sucessivas que se tornam obrigatórias, por exemplo na legislação das carreiras médicas e das unidades de saúde familiar”. Apesar de tudo, Henrique Botelho garantiu que no geral a CNRSNS “está alinhada com este objetivo, certa de que este é o caminho a seguir, com mais ou menos ajustamentos no percurso”.
É importante realçar que durante a primeira metade do Fórum «Redimensionamento da Lista de Utentes» dois grupos focais refletiram sobre as principais questões que envolvem esta proposta, tendo chegado a algumas sugestões válidas e consensuais. Destas conversas saiu, por exemplo, a ideia de adaptar este índice de complexidade da carga de trabalho aos demais profissionais que atuam nas equipas de saúde dos CSP, ou de criar mecanismos de salvaguarda que protejam tempo para atividades de governação clínica ou inerentes às responsabilidades diferenciadas das distintas categorias da carreira médica. De notar também uma sugestão interessante. Com a aplicação da nova métrica, um excedente de utentes terá de sair das listas de muitos MF (em média – e segundo as contas dos autores da proposta – a carga de trabalho atual está acima dos limites máximos propostos). Ora, os participantes nestes grupos focais pensaram num cenário hipotético em que os recém-especialistas possam receber uma lista parcial, com este excedente de utentes de outros colegas, lista essa que seria gradualmente preenchida ao longo de um ano com novas inscrições, procedimento que permitiria aos jovens MF ambientarem-se sem o «impacto» negativo de uma lista completa, muitas vezes fomentadora de situações de burnout.