Política de saúde

“Os incentivos não são uma ideia genial, genial seria as pessoas serem justamente remuneradas”

Sobre proposta inicial para a nova Lei de Bases da Saúde o bastonário da OM afirma:

No próximo dia 10 de julho, a Ordem dos Médicos (OM) vai promover um debate em torno da nova Lei de Bases da Saúde, na sua sede, em Lisboa, com a presença já confirmada de Constantino Sakellarides (professor catedrático da Escola Nacional de Saúde Pública e ex-coordenador do projeto SNS Saúde + Proximidade), Maria de Belém Roseira (presidente da Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde) e Rui Nogueira (Presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar).

Este é um assunto que a OM considera prioritário e que não poderia ser mais atual, como refere em declarações exclusivas ao nosso portal e em antecipação ao debate do dia 10 o bastonário da OM, Miguel Guimarães: “este debate foi marcado há algum tempo atrás, mas tivemos a feliz coincidência de a Dr.ª Maria de Belém e a comissão que lidera terem apresentado há poucos dias a sua proposta publicamente (que agora está em discussão pública), do Bloco de Esquerda, na Assembleia da República, ter apresentado a sua proposta também e de um grupo de cidadãos ter, inclusive, lançado algumas ideias para serem consagradas na nova Lei de Bases”. Este dirigente acredita que é possível fomentar um diálogo frutífero entre os agentes do setor, para atingir uma legislação equilibrada, mas não deixa de expressar alguns receios: “as minhas preocupações prendem-se sobretudo com o facto de a lei assegurar que tenhamos um serviço público que seja universal e tendencialmente gratuito, mas que possa ter capacidade de resposta às necessidades dos portugueses. No fundo, respeitar aquilo que é a Constituição da República Portuguesa e a lei do Serviço Nacional de Saúde (SNS). É, também, vital que defina o papel que a Medicina privada e social podem e devem ter no sistema de saúde no nosso país, que esclareça qual deve ser e como deverá estar organizado o capital humano do serviço público e dos serviços privados e sociais de saúde. Por fim, gostaria de ver plasmada na Lei de Bases da Saúde – embora reconhecendo que se trata de um documento que não pode ser muito específico nas suas determinações – as regras que permitirão aplicar essa mesma lei. Se não soubermos como poderão ser executadas as políticas que a própria Lei de Bases da Saúde comporta, pode acontecer aquilo que sucede com a atual lei, já que muitos dos princípios nela contidos nunca foram aplicados na prática”.

Remunerações dignas, ao invés da multiplicidade de sistemas de incentivos

A pré-proposta de nova Lei de Bases da Saúde, divulgada pela comissão liderada por Maria de Belém Roseira, sugere um reforço orçamental do SNS e, em particular, uma aposta estratégica em modelos de incentivos direcionados aos profissionais de saúde. Uma visão que não tem grande acolhimento por parte de Miguel Guimarães: “não fiquei muito satisfeito com tal ideia, com toda a sinceridade. O que as pessoas têm de ter é remunerações dignas. Não faz sentido começar a inventar coisas que depois não têm aplicabilidade prática, usando-as como chamariz para os médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde. No presente, existem incentivos para as unidades de saúde familiar (USF) associados à produtividade e cumprimento de indicadores, por exemplo. Ora, na imensa maioria dos casos, os incentivos nunca são aplicados, mesmo quando os membros destas equipas de saúde apresentam os planos para implementação dos mesmos e cumprem a sua missão. Portanto, os incentivos não são uma ideia genial, genial seria as pessoas serem justamente remuneradas, de acordo com a sua responsabilidade, o seu conhecimento e capacidade de resposta”.

O bastonário da OM dá também nota negativa ao pensamento da Comissão de Revisão passado à letra, no que respeita às terapêuticas não convencionais: “parece-me abusivo, excessivo, lamentável que terapêuticas ainda não comprovadas cientificamente façam parte do portfólio das profissões de saúde. Trata-se de algo inaceitável!”.

Taxas moderadoras com teto máximo? Melhor seria acabar com elas…

Outra noção central avançada pela equipa de Maria de Belém Roseira é a da criação de tetos máximos por prestação de cuidados e por ano para as taxas moderadoras. Miguel Guimarães crê que seria mais racional acabar, de uma vez por todas, com estes pagamentos a cargo do utente: “tenho sempre defendido a não existência de taxas moderadoras. Quando foram criadas, foram-no para moderar o acesso aos cuidados de saúde. Pensou-se que seria uma ferramenta útil para que as pessoas usassem os serviços de saúde apenas quando era necessário. Ora isto não acontece. As pessoas com insuficiência económica declarada estão isentas, enquanto que uma porção significativa das pessoas que pagam taxas se quiserem ir à Medicina privada e social podem fazê-lo, e fazem-no. Ou seja, na prática o que estamos a fazer é limitar o acesso das pessoas com maior poder económico, o que não me parece de todo justo e coloca em causa a herança do SNS”.

Assim, Miguel Guimarães não ficaria escandalizado com o fim das taxas moderadoras, face à sua ineficácia enquanto medida para a contenção do consumo abusivo de cuidados: “durante os anos em que as taxas moderadoras foram aplicadas não consegui descortinar o seu benefício, isto se olharmos apenas para o motivo que esteve na sua génese”.

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