As Jornadas de Medicina Geral e Familiar (MGF) de Évora comemoraram este ano a sua trigésima edição, com mais de 120 participantes e abordando temáticas tão importantes para a prática diária do médico de família (MF) como as demências, a prescrição de exercício físico, a osteoporose ou as patologias do foro da Otorrinolaringologia (ORL), como a surdez e presbiacúsia. O Prémio Mário Moura para melhor comunicação oral foi para o trabalho «O potencial carcinogénico do trabalho por turnos no cancro da mama e próstata. Qual a evidência?», de Ana Margarida Coroas (USF Gil Eanes) e Joana Lascasas (UCSP Caminha), enquanto que o mesmo prémio, no âmbito dos pósteres, distinguiu «Efectividade do tapentadol na dor oncológica – Uma revisão sistemática», da autoria de Ana Rita Baptista (USF Conde Saúde).
A edição deste ano foi sobretudo um momento histórico, uma vez que assinalou três décadas de um dos eventos da especialidade com mais anos de realização ininterrupta. “Sentimos que estas jornadas tinham um valor simbólico, não só por termos atingido um número redondo, mas porque algumas pessoas que as organizaram ainda fizeram parte da equipa da primeira edição. Foi, aliás, muito interessante ouvir estes colegas relatarem as histórias, os problemas que tiveram de resolver nesses primeiros tempos e do como as coisas evoluíram desde então”, avança Maria Helena Gonçalves, delegada distrital da APMGF em Évora e membro da comissão organizadora. Este ano, foi igualmente marcante o regresso (e com participação na mesa de honra de abertura) de Mário Moura. O presidente honorário da APMGF participou nas jornadas quase desde o seu arranque e só recentemente, por motivos pessoais, teve de interromper a sua participação. Em 2020 conviveu de novo com os colegas do Alentejo e assistiu à entrega dos prémios para melhor comunicação e poster, que carregam o seu nome.
Por falar em simbolismos, a organização decidiu este ano dar um papel de destaque ao habitual chocalho que assinala o arranque das sessões nas jornadas de Évora, oferecendo um pequeno chocalho como prenda comemorativa aos participantes e criando uma versão maior, que ficará em exposição na sede distrital da APMGF.
Ao longo dos últimos trinta anos, as Jornadas de Évora deram passos de gigante e profissionalizaram-se, respondendo cada vez melhor às necessidades de formação dos MF e internos da região, garante Maria Helena Gonçalves: “vai-se aprendendo com aquilo que é feito e com as experiências, para tentar evitar problemas que possam surgir no futuro”. Algo que continua inalterado desde o início, porém, é a boa relação com o Hospital de Évora e as outras especialidades clínicas que ali desenvolvem o seu trabalho, recorda a delegada distrital da APMGF: “temos uma grande proximidade com muitos colegas do Hospital de Évora. Eles são, de certa forma, o nosso interlocutor natural e a nossa linha de apoio e a sua presença regular nas nossas jornadas serve também para consolidar contactos e perceber quem está do outro lado, quando referenciamos. Este ano, tal verificou-se em particular na mesa sobre as demências. O colega que fez a apresentação é um jovem psiquiatra que nem todos conhecem e que está a fazer uma nova consulta de demências no Hospital de Évora. A sua vinda acabou por contribuir para nos pudéssemos familiarizar uns com os outros e para que ele perceba também quais são as nossas dúvidas e dificuldades”.
Conferência fundamental nas 30ªs Jornadas de MGF de Évora foi a proferida por Paulo Reis Pina, especialista em Medicina Interna e pós-graduado em Medicina da Dor e Geriatria, no fecho da iniciativa e subordinada ao tema «Problemas Éticos em Fim de Vida». Segundo aquele perito, os médicos portugueses em geral estão muito pouco preparados para ajudar os doentes a morrerem com a tranquilidade, a dignidade e o conforto necessários, devido a vícios e práticas inculcadas desde os tempos da escolas médicas: “reduzimos todos os seres humanos a doenças, porque os que nos interessa é o coração ou o rim, o resto nada nos interessa, muito menos a morte. Dizemos ao doente que da próxima falamos e o doente atrevido, por vezes, responde-nos que não terá próxima vez, que sente que morrerá na próxima semana e que merece mais tempo do que as outras sete pessoas que estão na sala de espera”.
Paulo Reis Pina recorda também que persiste, na sociedade médica portuguesa, o péssimo padrão da obstinação terapêutica, claramente prejudicial para o doente e para a sua família: “muitos colegas acham que se o seu doente morrer são fracassados. E por isso continuamos a fazer tudo e mais alguma coisa até ao último dia de vida do doente, até estatinas e inibidores da bomba de protões. É por isso que nos chegam por vezes doentes no último dia com 16 comprimidos no plano terapêutico. Algo de estranho, até porque o código deontológico da Ordem dos Médicos nos ajuda neste domínio. Diz-nos que é condenável toda a prática não justificada pelo interesse do doente e que pressuponha ou crie novas necessidades de consumo”.
O doente morre quando a hora é certa e procurar combater tal realidade, contra todas as expectativas e certezas, é um ato profundamente não médico, conclui Paulo Reis Pina: “não adianta esticar a corda, porque de outro modo entramos na obstinação terapêutica, que é crime em Portugal”.