Ajudar quem lida com uma experiência de perda ou de luto é uma missão normal para quem trabalha em cuidados paliativos, mas desde o início do ano, com a pandemia de COVID-19, a gestão destes processos difíceis transformou-se radicalmente face às medidas de confinamento e de isolamento social, quer para os doentes em fim de vida e familiares que se confrontam com a sua partida, quer para os profissionais de saúde. Nas 2ªs Jornadas do GEsPal, a mesa «Quando o isolamento é imposto: implicações no luto em Cuidados Paliativos» abordou todas estas incidências da fase particular em que vivemos, enquanto sociedade, com destaque para as estratégias que os profissionais, em conjunto com os utentes, podem desenvolver para colmatar a ausência do toque e da presença física em momentos de luto e de perda.
“Estamos a lidar com alterações em termos de rotinas, atividades e até sentido de pertença, porque quando nos isolamos, a determinada altura acabamos por ser afetados por uma certa desvinculação, que representa ela própria uma espécie de perda”, lembrou Alexandra Coelho, psicóloga da Unidade de Medicina Paliativa do Centro Hospitalar Lisboa Norte e terapeuta de luto pela Sociedade Portuguesa de Estudos e Intervenção no Luto. Depois, há que considerar a nova valoração dada ao contacto físico, nas relações entre pessoas, que tantas perturbações gera em fase de luto, como explica Alexandra Coelho: “aquilo que antes era sentido como humano e afectuoso, agora é sentido como uma ameaça”. Para a psicóloga, é também evidente que afetados pelo complexo quotidiano que hoje vivem, os profissionais de saúde estão em luto: “encontramo-nos em luto por diversas perdas. Normalmente, associamos o luto à perda de pessoas, mas existem perdas cumulativas motivadas por pequenas alterações somadas, que podem ser mais ou menos reversíveis. O sentido de insegurança que os profissionais agora relatam, por exemplo, poderá ser algo que nos acompanhará durante muito tempo no futuro”.
Para Amélia Matos, enfermeira chefe da Unidade de Medicina Paliativa do Centro Hospitalar Lisboa Norte, o luto cumulativo nas equipas de saúde é inegável:“as pessoas manifestam no presente claros sinais de ansiedade, em alguns casos associados a manifestações físicas, como pressão no peito, alterações do sono ou irritabilidade”.
No entender desta enfermeira, os profissionais podem contornar este problema, desde logo, retirando as melhores ensinamentos do seu percurso pessoal: “temos de retirar o melhor que existe nas nossas práticas pessoais, aquilo que sabemos que resulta quando estamos perante algo desconfortável e trabalhar a partir daí a resiliência”.
No que respeita, especificamente, ao apoio a utentes que atravessam período de luto e sentimento de perda durante a pandemia, Helena Beça (coordenadora do GEsPal) garante que na consulta de MGF determinadas mais valias do passado apresentam-se agora como impossibilidades ou transgressões: “muitas vezes em consulta as pessoas estão tristes e assustadas e o ato mais automático (porque os utentes confiam em nós e connosco se sentem seguros) é estender a mão para tocar. Mas, agora, a mão vai apenas até meio caminho e volta, o que causa uma sensação muito estranha para nós e um desconsolo do outro lado”.