Em dezembro de 2020, o Internato Médico de Medicina Geral e Familiar (MGF) da Zona Centro passou a ter um novo coordenador. Nesta curta entrevista, José Augusto Simões explica os complexos desafios que veio encontrar (em grande parte face às alterações impostas pela pandemia) e a dinâmica mais descentralizada que deseja imprimir, daqui em diante, a um internato da especialidade que congrega na Zona Centro 486 médicos internos (dos quais cerca de 90 vão fazer exame final de especialidade em abril próximo).
Como encarou o convite que lhe foi feito para liderar a Coordenação do Internato de MGF na Zona Centro e as responsabilidades associadas a esta função?
José Augusto Simões – Devo dizer que foi com surpresa que recebi o convite para Coordenador do Internato Médico de MGF da Zona Centro. Na verdade, nunca me tinha ocorrido tal possibilidade. É verdade que andava a ponderar dedicar-me mais ao ensino pré-graduado, nomeadamente considerando a possibilidade de me vir a dedicar a tempo completo ao ensino na Faculdade. Por isso, senti este convite como uma resposta à ponderação que andava a fazer, podendo agora dedicar-me, espero que em dedicação plena, ao ensino pré e pós-graduado de Medicina Geral e Familiar, o que ainda não está a acontecer.
Que situação veio encontrar na Coordenação do Internato, nesta fase pandémica repleta de desafios?
O Internato da Zona Centro estava estruturado e funcionava bem. No entanto, os tempos são de mudança e de incerteza, pelo que nos temos que ir adaptando e procurar construir uma estrutura que responda aos desafios que se colocam. Particularmente, sinto ser importante chamar os ACeS, através dos Presidentes dos Conselhos Clínicos e de Saúde (PCCS), para o Internato, responsabilizando-os pela formação dos médicos colocados no seu ACeS, onde naturalmente se inserem os médicos internos. Assim, penso que os PCCS devem ser os diretores de internato do seu ACeS e se não o quiserem ser, devem delegar essa função em alguém que considerem competente, mas assumindo o suporte institucional às suas funções.
Como se tem caracterizado a gestão das necessidades formativas neste início de 2021, em especial no que respeita às formações em domínio hospitalar, onde se registam tantos constrangimentos e uma enorme pressão assistencial?
Realmente o meu início de funções, em final de dezembro, coincidiu com a chegada de novos médicos internos e com a conclusão do processo formativo de outros tantos. O mês de janeiro acabou por ser responder às questões da chegada e da saída de médicos internos. A que se juntou o agravamento da situação de pandemia, o que também me ocupou bastante tempo, enquanto médico de família numa USF em que os casos Covid subiram em flecha.
Se o contexto de restrição de contactos entre profissionais/unidades de saúde e utentes se mantiver durante muito mais tempo, teme que a formação dos atuais internos de MGF possa estar comprometida?
Neste momento a situação melhorou bastante, espero que não surja nenhum recrudescimento após a Páscoa, pelo que vamos progressivamente retomar a atividade assistencial normal. Mas, penso que este período não foi tempo perdido em termos formativos, uma vez que permitiu uma boa aprendizagem em termos de uso de novas tecnologias no contacto com os pacientes. Daqui para a frente, temos que contar que os pacientes vão manter os meios que agora aprenderam a utilizar, como o e-mail, ou o telefone, para obterem resposta para o seu problema sem terem que se deslocar à unidade. Estes meios de contacto penso que vão ficar e agora tivemos todos, médicos, médicos internos, equipa de saúde e pacientes, uma boa aprendizagem. Portanto, não considero que a formação dos médicos internos tenha estado ou venha a estar comprometida. É verdade que não temos tido formações presenciais, mas descobrimos e aprendemos a utilizar várias plataformas formativas e as propostas formativas até se multiplicaram através desses meios.
De facto, a pandemia acelerou o desenvolvimento de soluções de formação não presenciais em todo o país. Que evoluções se têm registado, a este nível, no Internato de MGF da Zona Centro?
Como disse na resposta anterior foi o que aconteceu e temos vários intervenientes, como grupos de internos, de internos e orientadores, a proporem soluções formativas interessantes, a que se associam outras estruturas como a Ordem dos Médicos e as associações profissionais, como a APMGF, a USF-AN e outras, no formato de webinars, cursos, jornadas e congressos. Na Coordenação de Internato estamos a trabalhar na preparação de uma oferta formativa, em termos de competências para a consulta e suas consequências, avaliação familiar, psicologia das organizações aprendentes, sociologia da saúde e investigação.
Alguns desses novos padrões formativos poderão e deverão ser mantidos no futuro, após o final da pandemia?
Sim, a formação online é uma boa solução para grandes grupos e pessoas dispersas por vários locais. Os webinars, em que as gravações ficam disponíveis e podem ser visualizadas posteriormente, também são uma solução a manter.
A Coordenação do Internato de MGF na Zona Centro esteve entregue durante muitos anos seguidos ao mesmo médico de família e orientador de formação. Sob a sua liderança vão existir mudanças de fundo, do ponto de vista organizativo e formativo?
O Dr. Rui Nogueira liderou a Coordenação, salvo erro, de 2005 a 2020, dando-lhe o seu cunho pessoal e fez um bom trabalho, porque formou centenas de bons médicos de família. No entanto, tinha uma estrutura muito centralizada, eu, como já disse, pretendo uma estrutura mais descentralizada, nomeadamente, com maior liderança e responsabilização dos ACeS pelo processo formativo, reservando para mim o papel de coordenador desse processo. Por outro lado, penso criar um Conselho Científico para a Coordenação, no sentido de ter uma validação da adequação das formações a realizar, nomeadamente em termos de cursos a organizar.
Se pudesse escolher um único fator que gostaria de passar a ter e garantiria um incremento significativo na qualidade da formação, qual seria? Mais suporte administrativo? Mais unidades ou orientadores disponíveis? Melhor resposta dos serviços hospitalares?
Penso que o fator decisivo para um salto qualitativo da formação em curso será conseguir que as várias unidades (USF e UCSP) da ARS Centro se assumam como Unidades Formativas, adotando um processo de melhoria contínua da qualidade formativa e responsabilizando-se, em equipa, pelo sucesso da formação dos médicos internos que as escolhem. Em segundo lugar, que essas unidades se agreguem em Comunidades Formativas, sob a liderança do Conselho Clínico e de Saúde do respetivo ACeS.
Durante muitos anos foi debatido o quadro de disparidade entre Regiões, no que concerne à formação pós-graduada em MGF, face às diversas experiências com a avaliação de competências e de desempenho. Qual é a sua perspetiva sobre este problema? As mais recentes alterações introduzidas no Internato de MGF puseram cobro a tais divergências?
O novo programa formativo do internato médico de MGF veio destacar as unidades de cuidados de saúde primários como o local privilegiado para a formação dos médicos de família, através de uma aprendizagem em contexto de trabalho. Por outro lado, as sete Coordenações de Internato Médico de MGF reúnem-se regularmente para consensualizar procedimentos, nomeadamente em termos avaliativos pelo que, penso, as diferenças identificadas se irão desvanecer. Agora cada Coordenação tem a sua estrutura própria, assim como enquadramentos distintos nas respetivas ARS/SRS.