Carlos Martins, especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF) e docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), finalizou as suas provas de agregação naquela instituição académica, juntando-se ao restrito grupo de professores agregados no nosso país que têm origem na MGF. Mais do que um triunfo pessoal, Carlos Martins encara esta evolução como um avanço para toda a especialidade, no sentido em que contribui para o seu percurso de credibilidade e respeito, junto da comunidade científica/médica e de todos os portugueses. Abre, também, as portas para mais e melhor investigação ligada aos cuidados de saúde primários (CSP).
Como se sente, após esta «conquista» académica?
Carlos Martins – Sinto-me sobretudo grato. Este é mais um passo de um longo caminho, que vem sendo percorrido pela MGF a nível nacional e internacional, uma vez que a nossa realidade neste domínio não é muito diferente da que se vive lá fora. A MGF, enquanto especialidade instituída, é muito mais jovem do que a maioria das outras especialidades médicas e do ponto de vista da sua presença académica, como disciplina com conteúdo autónomo nas escolas médicas, tem enfrentado um processo lento e difícil de afirmação, com passos progressivos ao longo do tempo. Agora, quando digo que me sinto grato, é porque tenho consciência de que esta agregação reflete o apoio de muitas pessoas que me ajudaram. Noto que ela não seria possível, por exemplo, sem a intervenção do Prof. Altamiro da Costa Pereira, que ao constituir a unidade de investigação CINTESIS e permitindo a integração da MGF no seu MEDCIDS – Departamento de Medicina da Comunidade, Informação e Decisão em Saúde, criou as bases para que tal acontecesse. Isto porque, neste contexto, tornou viável a um docente e investigador da área da MGF se articular com um conjunto de profissionais que são essenciais à investigação, como sejam estatísticos, ou especialistas em informática médica e bioética. Contar com este suporte multidisciplinar facilita muito a produção científica. Destaco também, a este propósito, a criação do Mestrado de Cuidados de Saúde Primários na FMUP, a cujo Diretor, o Prof. Rui Nunes, muito agradeço, uma vez que este mestrado (o primeiro na academia portuguesa orientado para os CSP) veio a revelar-se um foco de dinamização incrível para todos quantos fazem investigação centrada na MGF e nos CSP. Sem estes alicerces sólidos, esta «argamassa e tijolos organizacionais» de referência, seria menor a probabilidade de continuarmos a construir o edifício cada vez maior e mais bonito que é a MGF no mundo académico.
O número de professores agregados oriundos da MGF é ainda muito limitado em Portugal, correto?
Somos, de facto, poucos, razão pela qual eu considero que isto é muito mais do que uma conquista individual, mas sim o resultado de um caminho que tem vindo a ser percorrido nas várias escolas médicas de Portugal, em tempos recentes. Na última década e meia aumentámos, de forma considerável, o contingente de doutorados na área da MGF e a agregação significa, no fundo, a transição seguinte, até porque permite que os professores auxiliares possam ascender na carreira, passando mais tarde a professores associados e catedráticos. A circunstância de existirem tão poucos professores nas fases mais avançadas da carreira académica com origem na MGF levou, inclusive, a que fosse necessário convidar colegas de outros países para o júri das minhas provas, já que um dos critérios para constituição de júri para estas provas na FMUP é a participação de professores catedráticos e, neste momento, não temos professores catedráticos, no ativo, da área da MGF em Portugal.
Como avalia a progressão académica na FMUP? É exigente?
Sem dúvida. A título de exemplo, podemos referir que para se atingir este patamar da agregação, a FMUP requer que após a conclusão do doutoramento e antes de se propor a provas de agregação, o professor publique pelo menos dez artigos científicos em revistas indexadas de elevado impacto, sendo referenciado como primeiro ou último autor em cinco desses artigos. Cinco desses artigos têm, além disso, se de situar acima do percentil 50 tendo como referência o indicador SCImago. Ou seja, o candidato, antes de se propor a provas, teve já de desenvolver um caudal significativo de investigação e publicações científicas, após conclusão do doutoramento. Por último, é-lhe exigido que tenha orientado pelo menos quatro estudantes de mestrado e pelo menos um estudante de doutoramento.
Tal exigência explica, em parte, porque o número de professores agregados seja ainda tão baixo entre nós, uma vez que é fundamental massa crítica de investigação e de docência para alavancar tal processo…
Exatamente, é preciso massa crítica do ponto de vista de produção científica e muita investigação com qualidade. E isto, para os colegas que são doutorados e continuam vinculados ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), não tem sido um objetivo fácil. Até há pouco tempo, não era possível estar-se a tempo parcial no SNS e, em simultâneo, numa carreira de docência e investigação, pelo que projetar a agregação era uma tarefa muito complicada. Felizmente, a realidade está a mudar a um ritmo considerável e positivo e, no presente, já são permitidos horários a tempo parcial.
A luta pelo reconhecimento da MGF entre pares e na sociedade portuguesa em geral, que tem vindo a ser travada de modo árduo desde o último quartel do século passado, também beneficia muito de avanços como este que agora protagoniza?
Sim. Aliás, acredito que outros colegas seguirão o caminho da agregação a breve prazo, nesta e noutras escolas médicas nacionais. Já no que respeita à existência de professores catedráticos oriundos da MGF – meta que representa o último degrau da carreira docente, por assim dizer – poderemos seguramente afirmar que esse será o mais difícil e demorado processo a concretizar, na medida em que depende não só da qualidade do trabalho científico e da docência do candidato, mas também de fatores não controláveis pelo mesmo, como a abertura de vagas e concursos.