Quando iniciam o seu trabalho com uma nova lista de utentes e em exercício totalmente autónomo, os jovens médicos de família (MF) deparam-se quase sempre com complexos desafios, que vão desde a organização dos tempos de consulta presencial e não presencial, geral e para grupos específicos, programação de tarefas não assistenciais, articulação com a restante equipa de saúde, sem esquecer tarefas como lidar com as expectativas dos utentes ou prevenir potenciais conflitos. Todas estas matérias e muitas outras foram dissecadas na mesa-redonda do 19º ENIJMF «Gestão de uma nova lista de utentes – obstáculos e estratégias».
Para André Rainho (Unidade de Saúde Familiar – USF – Vitrius), um dos principais desafios com que o jovem especialista se coloca é o de moldar os utentes à sua forma de trabalhar, de quebrar amarras com o passado quando necessário: “herdei um ficheiro de um colega que se encontrava na unidade há muitos anos e que, como é natural, desenvolveu hábitos e formas de trabalhar aos quais os utentes se habituam. Quando procuramos introduzir algumas mudanças, tal pode ser um passo gerador de conflitos. Assim sendo, dentro da consulta temos de perder algum tempo a explicar ao doente por que não vamos fazer como fazia o «médico antigo» e por que razão vamos antes fazer de maneira distinta. Tal conduta irá poupar-nos muito tempo e muitos incómodos no futuro”.
João Sarmento (USF Águas Livres) atesta que as condicionantes sócio-económicas da população servida muitas vezes são marcantes para o trabalho de um jovem MF que assume uma lista própria: “existem diferenças enormes entre a lista da minha orientadora de formação e a minha atual lista, acima de tudo devido ao contexto social e cultural. Em Cascais trabalhava numa zona mista, em que residiam pessoas de classe média baixa, algumas pessoas de classe alta e alguns agregados com problemas sociais. Hoje, trabalho portas meias com a Cova da Moura, facto que tem um grande impacto na lista de utentes, constituída por gente trabalhadora, que pese embora a fama do bairro nunca geraram problemas, apenas desafios estimulantes”.
Já Luísa Lopes MF no Centro de Saúde de Câmara de Lobos (Madeira) ressalva que o seu ficheiro de utentes “inclui muito mais crianças no primeiro e segundo anos de vida” do que a lista da sua orientadora, além de um “número significativo de família subsidiadas, sem trabalho relevante e habitantes de bairros sociais”, fatores que de certo modo a conduziram a adaptar-se a tais realidades, até porque se trata de uma população “que suscita problemas de saúde aos quais é necessário dar muita atenção”.
Na perspetiva de João Sarmento, “o esforço inicial máximo no qual cada recém-especialista se deve concentrar é o de, antes de começar a realizar consultas em catadupa, parar e planear. Tem de parar para conhecer e estudar a sua lista, inclusive utilizando algumas ferramentas (como o MIM@UF ou uma ferramenta criada pelo nosso colega Daniel Pinto, por exemplo) que temos ao nosso dispor para estruturar o trabalho e fazer o ajuste dos blocos de diferentes consultas”.