Embora a generalidade dos profissionais que completam o seu internato de MGF se integrem em equipas multidisciplinares de saúde e comecem a sua carreira a receber orientações de colegas mais velhos e experientes, em determinados casos este contexto inverte-se, com colegas muitos jovens a assumirem papéis de liderança nas organizações em que trabalham, poucos meses ou anos após terminarem a sua formação pós-graduada. Algumas destas vivências foram expostas na mesa redonda do 19º ENIJMF «Os desafios da liderança enquanto Jovens Médicos de Família».
Hélder Batista, eleito recentemente coordenador da USF Conde Lousã, no ACeS Amadora, recorda algumas das estratégias que adotou para anular o peso da falta de experiência ou alguma resistência que possa surgir: “começo por ser muito organizado e quando crio escalas, por exemplo, fica tudo muito claro e transparente sobre por que razão tal pessoa está escalada para determinado período e quando foi a última vez que esteve escalada para o mesmo efeito. Assim, qualquer dúvida que surja sobre a justificação das decisões está sempre fundamentada. Depois, passei a reconhecer de forma consciente a necessidade de perguntar. Sempre que tenho de tomar uma decisão e tenho dúvidas, pergunto a todos os colegas o que fariam na minha situação”.
João Soares Ferreira, que além de médico de família é chefe de agrupamento dos escuteiros de Santarém e gerente de uma empresa de prestação de serviços médicos, assegura que a sua participação no universo do escutismo o ajudou imenso na introdução à liderança: “muito do que faço parte daquilo que o escutismo me deu. Dois ensinamentos em particular foram valiosos. Antes de mais, nunca perder o contacto com o exterior e a comunidade e perceber que existe uma vida para além das quatro paredes do nosso consultório. Em segundo lugar, a importância de planear as coisas a longo prazo, que no meu trabalho se repercute na agenda médica ou no trabalho em equipa (…) O escutismo fez-me também treinar a empatia e ajudou-me a lidar melhor com a diferença”.
Nuno Basílio iniciou funções enquanto presidente do Conselho Clínico e de Saúde do ACeS Cascais em finais de 2020, um papel de clara liderança numa estrutura complexa e fragmentada no território como é um ACeS: “o facto de ter iniciado esta missão em plena pandemia foi um grande desafio. O meu Conselho Clínico acabou por apanhar com a terceira vaga e a vacinação subsequente, processo no qual é uma honra participar mas que ao mesmo tempo representa um pesadelo para levar à prática, à mistura com a organização do ADR e a agilização do TRACE-Covid”. Para todos os recém-especialistas que estejam a iniciar um percurso de liderança, ou que pretendam aceitar um convite que conduza a tal, Tânia Bairos (jovem médica de família e diretora clínica da Unidade de Saúde da Ilha de Santa Maria – Açores) deixa um conselho: “temos de delegar, delegar, delegar, tornar as equipas autónomas e sobretudo ir avaliando sempre o que vamos fazendo”.
Já Rui Neto Fernandes, que acumula trabalho clínico como médico de família e o cargo de Medical Manager Oncology na empresa farmacêutica Pierre Fabre, garante que quando um recém-especialista é colocado perante o repto específico de liderar equipas na indústria farmacêutica deve tomar precauções chave: “perguntem bastante sobre as funções que vão desempenhar e questionem sobre as expectativas que sobre vocês recaem, porque na minha perceção essas necessidades variam de empresa para empresa. Também é essencial que no início não tenhamos problemas em reconhecer que não se sabe, porque admitir uma dificuldade é meio passo para a contornar”.
Por último, Aldara Braga, coordenadora da UCSP Terras de Bouro (ACeS Cávado II – Gerês/Cabreira), acredita que parte essencial da receita para o sucesso do jovem líder passa por “respeitarmo-nos enquanto pessoas, respeitar o nosso trabalho e respeitar toda a equipa que trabalha connosco”.