“Deixa-me feliz sentir que o meu trabalho está a ser reconhecido”

A especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF) e investigadora portuguesa Liliana Laranjo, recentemente escolhida para desempenhar funções como Senior Lecturer na Faculdade de Medicina da Universidade de Sydney, defende que a Medicina Familiar e Comunitária vai ser indissociável da saúde digital no futuro e acredita que experiências profissionais no exterior podem ser marcos importantes na carreira de um recém-especialista e/ou de um investigador. Esta é a primeira de uma série de entrevistas com colegas que conhecem sucesso profissional além-fronteiras e que, assim, demonstram o valor e a competência da MGF portuguesa.

 

O que significa para si tornar-se Senior Lecturer numa instituição de prestígio como a Universidade de Sydney?

É uma oportunidade única e algo que não imaginei possível quando emigrei para a Austrália, há 5 anos atrás. Deixa-me feliz sentir que o meu trabalho está a ser reconhecido, sobretudo porque adoro tudo o que tenha a ver com cuidados de saúde primários e tecnologias de informação e comunicação, por isso poder continuar a trabalhar nesta área, com todas as novas possibilidades que esta posição traz, é óptimo.

Esta é uma função académica nova na Universidade de Sydney… como surgiu e por que razão a escolheram para a desempenhar?

A Faculdade de Medicina da Universidade de Sydney (Sydney Medical School) decidiu apostar mais fortemente nos cuidados de saúde primários, não só em termos de ensino, mas também em termos de investigação. Por outro lado, uma das redes mais inovadoras de cuidados primários em Sydney (Western Sydney Primary Health Network, equivalente a um Agrupamento de Centros de Saúde – ACeS) sentiu necessidade de investir em investigação, de forma a melhorar os cuidados de saúde prestados à população e permitir a inovação mais rápida nos serviços. Daí surgiu esta posição, financiada por ambas as instituições, uma colaboração pioneira neste contexto na Austrália. Dada a minha experiência como médica de família e carreira de investigação nesta área e em saúde digital, fui escolhida para a posição.

Que objetivos gostaria de alcançar, num espaço de cinco a dez anos?

Gostava de ver esta posição crescer e gerar um Centro de Investigação em Cuidados Primários e Saúde Digital.

De que forma esta nomeação vai alterar a sua rotina profissional daqui em diante?

Além de continuar a gerir os meus projectos de investigação que estão a decorrer actualmente e orientar as minhas alunas de doutoramento e mestrado, vou ter novas responsabilidades em termos de gestão de oportunidades de investigação na Rede de Cuidados Primários, onde vou mediar colaborações com profissionais de saúde, investigadores de outras universidades, gestores de saúde, profissionais de saúde pública e indústria (por exemplo com a Apple e a Google, com quem estamos a desenvolver projectos).

Qual a natureza do trabalho académico e de investigação que tem vindo a conduzir na Austrália, nos últimos anos?

A minha carreira como investigadora, desde o doutoramento em Portugal, foi sempre focada na melhoria de cuidados centrados na pessoa e utilização de tecnologias de informação e comunicação para promoção da saúde e prevenção da doença na comunidade e no contexto dos cuidados de saúde primários.

Acredita que o aperfeiçoamento do campo da saúde digital poderá ser um dos motores de desenvolvimento da Medicina Familiar e Comunitária nas próximas décadas, mesmo em países em vias de desenvolvimento?

Absolutamente. A saúde digital não envolve necessariamente tecnologias caras, a utilização de mensagens SMS está cada vez mais disponível de forma universal, com vários ensaios clínicos a demonstrarem resultados positivos na promoção de saúde e prevenção de doença, incluindo em países em desenvolvimento. Acho que, no futuro, a Medicina Familiar e Comunitária vai ser indissociável da saúde digital. À medida que a tecnologia faz cada vez mais parte das nossas vidas e permeia os cuidados primários, é importante investigar e assegurar que esta disseminação beneficia doentes e profissionais de saúde e que leva a melhorias dos cuidados de saúde prestados à população.

O que a motivou a procurar paragens internacionais para prosseguir a sua carreira?

Senti que em Portugal não teria as mesmas oportunidades para evoluir neste campo de investigação.

Após um período já longo de permanência na Austrália, que diferenças substanciais encontra na forma de praticar a Medicina Familiar e de proximidade, entre os colegas australianos e portugueses? E no que respeita à investigação centrada nos cuidados primários?

Os cuidados primários funcionam de forma algo semelhante, embora na Austrália o pagamento dos médicos de família seja no formato fee-for-service, com todas as desvantagens inerentes. Penso que em termos de investigação em cuidados primários, tanto em Portugal como na Austrália tem havido um grande investimento e desenvolvimento nesta área, o que é muito encorajador.

Para todos os seus colegas em Portugal que possam, neste momento, ponderar uma experiência profissional no exterior mas que mantêm reservas ou receios de alguma índole, que conselhos daria?

Neste momento, emigrar tornou-se ainda mais complicado por causa da pandemia. Fora deste contexto, acho muito importante a experiência internacional, mesmo que o objectivo não seja emigrar permanentemente. Durante o meu internato e doutoramento tive a oportunidade de passar algum tempo em cuidados de saúde primários e universidades um pouco por todo o mundo (Reino Unido, Dinamarca, Estados Unidos, França, Austrália), que me influenciaram muito como profissional e pessoa. Aos colegas que possam estar interessados em fazer um estágio de investigação em cuidados primários em Sydney, tenho todo o gosto em recebê-los!

 

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