Figura mediática e acarinhada pelos portugueses (que se habituaram a nele confiar em matérias de sexualidade, afetos e desafetos), o psiquiatria, sexólogo, professor universitário e escritor Júlio Machado Vaz fará a conferência inaugural do 38º Encontro Nacional de MGF. Nesta breve entrevista, levanta o véu sobre as mensagens essenciais que partilhará com os médicos de família em Braga e reflete sobre o temível impacto que a pandemia tem (e terá) sobre os profissionais de saúde e os seus doentes.
Que temas pretende abordar na sua comunicação para os colegas da Medicina Geral e Familiar em setembro?
JMV – Tenciono enquadrar os cuidados de saúde primários (CSP) em políticas transversais de promoção de saúde, mais do que reactivas ao aparecimento da(s) doença(s). Lembrar os objectivos enunciados no passado e sublinhar a precariedade e injustiça da situação presente. Li e ouvi com atenção os Drs. Nuno Jacinto, Ricardo Mexia e Alexandre Lourenço e todos eles confirmam os relatos dos meus antigos alunos que estão no terreno.
Será possível, neste período pandémico em que vivemos, praticar uma verdadeira Medicina de proximidade, sempre ambicionada pelos médicos de família, ou teremos de esperar por melhores dias?
Não, não é possível. Os profissionais, os doentes COVID e os não COVID vêem os seus direitos diminuídos. E atenção, “melhores dias” não podem ser confundidos com o retorno à situação pré-pandémica. Para cumprirem os seus objectivos os CSP exigem investimentos aos diversos níveis que sistematicamente vêm sendo adiados (nisso estão, infelizmente, na mesma “prateleira” que a Saúde Mental).
No último ano e meio tem-se falado com regularidade e impaciência do resgate da normalidade (laboral, familiar, social…). Estaremos a menosprezar – em termos clínicos e sociológicos – os traumas do confinamento/isolamento?
A um nível de menor gravidade temos estudos sobre as consequências do confinamento/isolamento. Obviamente elas dependem das diferentes condições sócio-económicas e da resiliência individual. Mas não tenho dúvidas que muitos de nós se defrontarão com problemas que sobreviverão ao desejado equilíbrio com o vírus. Sublinharia as consequências psicológicas, sobretudo nos registos da depressão, ansiedade e stress pós-traumático. Na população em geral e nos profissionais de saúde. Para ambos os grupos as respostas existentes são limitadas, veja-se o número de psicólogos no SNS.
Preocupa-o o «lastro patológico» com que os profissionais de saúde terão de lidar em 2022, 2023 e por adiante?
Muito. Ouço-os exaustos e desmoralizados, descrentes de promessas velhas de anos que não passam disso. Acresce que uma parte da população não se apercebe da diversidade de tarefas que os sobrecarregam – algumas meramente administrativas… – e perante consultas canceladas ou telefones silenciosos, deles e do seu empenho constroem uma imagem distorcida. É triste e não se resolve com palmas à janela, mas sim com uma política de informação transparente e justa. A esse lastro próprio, físico e psicológico, junta-se a preocupação prática e ética perante populações ao seu cuidado que sofrerão as consequências de consultas, rastreios e diagnósticos não realizados. Sei que se baterão com o estoicismo do aqui e agora, mas será muito duro.