O Grupo de Estudos de Cuidados Paliativos (GEsPal) da APMGF está a organizar as suas 3ªs Jornadas, em formato eletrónico e distribuídas por três dias (5, 7 e 9 de outubro). No arranque da iniciativa, a coordenadora do GEsPal, Helena Beça, assegurou que os médicos de família (MF) que atuam ao nível dos cuidados paliativos “continuam a trabalhar muito isolados. Para que haja uma mudança de fundo ao nível dos cuidados paliativos nos CSP, temos todos de nos envolver e trabalhar em articulação uns com os outros. Um dos objetivos destas jornadas é precisamente o de dar-nos a conhecer enquanto grupo e partilhar experiências com quem nos está a ouvir”.
Já o presidente da APMGF, Nuno Jacinto, destacou o facto de os grupos de estudo da Associação estarem a aumentar o seu dinamismo, sendo disso exemplo o GEsPal, com “estas terceiras jornadas a constituírem a demonstração da vitalidade do grupo dedicado aos cuidados paliativos, que obviamente representa uma área importantíssima na Medicina Geral e Familiar (MGF), com a qual todos lidamos e para a qual muitas vezes sentimos que não temos a formação adequada. Por isso, o trabalho do GEsPal é absolutamente crucial e algo que devemos saudar”.
Na primeira sessão destas jornadas discutiu-se a temática «Cuidados Paliativos Primários – O papel da equipa de saúde familiar». A este propósito, Célia Gomes Silva (especialista em MGF na USF Saúde Mais com pós-graduação em cuidados paliativos pela FMUP e colaboradora do GEsPal), recordou que o principal inimigo à implementação de cuidados paliativos primários ao nível da equipa de saúde familiar está bem identificado: “todos nós temos falta de tempo e sobredimensionamento das listas de utentes e este é, sem dúvida, o nosso principal problema. Contudo, tal barreira não nos retira os doentes que necessitam de cuidados paliativos da lista, nem nos iliba da responsabilidade de os acompanhar até ao fim da sua vida e muitas vezes também os seus familiares”. Célia Silva explicou, em complemento, que a evidência científica disponível comprova que “o empenho do MF e da equipa de saúde familiar tem um impacto positivo na possibilidade de os doentes morrerem no local de escolha e num melhor controlo sintomático. Por isso, faz todo o sentido que existam as ferramentas ideais para que os MF possam ajudar os seus doentes neste tipo de situação clínica”.
Para além do fator tempo, o moderador da sessão Hélder Aguiar – médico na USF São João e elemento das equipas intra-hospitalares de suporte em cuidados paliativos do Centro Hospitalar do Entre Douro e Vouga e do Hospital de Ovar – sublinhou que todos os profissionais que começam a dedicar-se a esta área “têm experiências pessoais que os condicionam um pouco na prestação deste tipo de cuidados, medos individuais que é preciso vencer. Estas são contrariedades mais específicas de cada pessoa, que têm de ser ultrapassadas”.
Autora de uma tese de mestrado que procurou averiguar a postura e a experiência dos MF portugueses no campo dos cuidados paliativos, Dina Gaspar (especialista em MGF e professora auxiliar na Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve) revelou dados interessantes detetados pela sua investigação: “através dos questionários respondidos, verificámos que os MF concordam que esta deve ser uma prática integrada na sua área de atuação e que devem responsabilizar-se pelos cuidados paliativos aos seus doentes. Mais, encontrámos níveis de motivação elevados para o cumprimento de tais cuidados. No entanto, não se mostram muito confortáveis em fazê-lo pela falta de preparação. Ou seja, a perceção que têm é a de que a preparação para oferecer cuidados paliativos é baixa, sobretudo quando os inquiridos não possuem formação avançada”.
Na ótica de Rui Sousa Silva, presidente da Comissão Nacional de Cuidados Paliativos (CNCP), muitos dos MF que se sentem atraídos pela dimensão dos cuidados paliativos e começam a desenvolver ações nesse domínio poderão fazê-lo devido ao caráter único deste género de cuidados de saúde: “a questão emocional e social e a dinâmica de trabalho multidisciplinar podem ajudar a explicar tal atração”. Para o responsável, mesmo que o MF não participe numa equipa comunitária de suporte em cuidados paliativos, “pode, no dia-a-dia, dar o seu aporte e quanto melhor formação tenha nesta área melhor será para o doente”. Ainda de acordo com Rui Sousa Silva, “se é um privilégio para os MF poderem trabalhar nesta área, é preciso não esquecer que é da mesma forma um privilégio para os doentes terem alguém com formação especializada a cuidar deles”. A generalização de ações paliativas básicas a partir dos CSP, com o envolvimento do máximo de profissionais competentes e bem formados, ajudará portanto a que o objetivo da Organização Mundial de Saúde e da própria CNCP de universalizar o acesso a cuidados paliativos de qualidade se torne uma realidade mais rapidamente.