Num debate muito aguardado das 3ªs Jornadas do Grupo de Estudos de Cuidados Paliativos (GEsPal) da APMGF abordaram-se as necessidades prementes de acelerar a formação em cuidados paliativos (CP) nos agrupamentos de centros de saúde (ACeS) e respetivas unidades funcionais, envolvendo todos os profissionais, de modo a garantir um acesso equitativo da população portuguesa a este tipo de assistência clínica, tão importante quanto a curativa.
Daniela Runa (membro da Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos de Sintra), revelou as conclusões de uma auscultação realizada no seu ACeS abarcando cerca de 80 profissionais e que demonstrou uma capacidade assinalável dos MF para desenvolverem ações paliativas básicas: “o resultado foi muito positivo! A amostra atingiu 86% de respostas corretas no questionário. As melhores percentagens prendiam-se com a filosofia dos CP, a comunicação em CP e a dor. As áreas com menos conhecimentos envolviam a hidratação e a gestão de sintomas neurológicos e respiratórios”.
Ao dissecar os resultados desta amostra, Daniela Runa garante que “a formação e a experiência estão significativamente relacionadas com melhores conhecimentos em CP. Ou seja, quem obteve melhores resultados no teste foram pessoas que já tinham maior nível de formação em CP ou algum contacto mais prolongado com CP (…) Portanto, esta evidência vem reforçar a importância de intensificar a formação e o contacto com os CP, tão relevantes para conseguirmos sedimentar os nossos conhecimentos e aplicá-los bem”. Ainda de acordo com a médica do ACeS Sintra, é fundamental que todos os colegas se mentalizem que embora determinadas abordagens em CP mais complexas apenas devam ser realizadas por quem já tem formação avançada e experiência nesta área, muitas intervenções básicas podem e devem ser assumidas pelos MF no âmbito das suas listas com a máxima segurança: “ficarmos à espera do melhor cenário possível e nada fazermos não é um bom caminho. Dito isto, formação teórica e prática são importantes para avançar e fazer bem, porque boa vontade apenas não chega, tornam-se necessárias bases científicas que validem as nossas ações enquanto médicos”.
Já Maria da Luz Loureiro (coordenadora regional do Internato Médico de Medicina Geral e Familiar da Zona Norte – IMMGFZN – e presidente da Comissão Regional do Internato Médico da Zona Norte) reconheceu que o internato de MGF na Região Norte poderia dar mais e melhor formação em CP, mas que as limitações de recursos qualificados para formar os internos neste domínio são evidentes: “para conseguirmos que um médico interno tenha dois meses de formação em CP, outros ficarão sem nenhuma. Assim, por vezes, optamos por períodos de formação mais reduzidos, que mesmo assim é uma solução menos má do que apenas metade dos internos que solicitam este tipo de formação terem acesso à mesma”. Para Maria da Luz Loureiro, embora as experiências práticas junto de equipas intra-hospitalares de CP sejam uma valia para a qualificação dos novos MF, é igualmente importante que se ganhe massa crítica de formadores nos CSP, de forma a dar um salto na capacitação dos futuros MF em CP: “enquanto não tivermos em contexto comunitário os CP, em cada ACeS, será difícil instituir boas práticas a este nível nos nossos médicos internos”.
Carla Lopes da Mota (assistente de MGF, presidente do Conselho Clínico e de Saúde do ACeS Gaia e elemento da Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos Gaia – ACeS Gaia), assegurou na sessão que o GEsPal pretende contribuir de modo ativo para a melhoria da formação em CP junto dos jovens MF, disponibilizando-se para colaborar com as diversas coordenações regionais de internato na capacitação dos orientadores de formação: “a nossa ideia é a de, de uma forma progressiva, ir estendendo a formação a todo o território nacional e, de facto, oferecer formação em CP de qualidade aos MF é um dos grandes objetivos do Grupo, colaborando também com as coordenações de internato”.
Durante o debate Rui Tato Marinho (diretor do Serviço de Gastrenterologia e Hepatologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte e diretor do Centro de Medicina Paliativa da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa – FMUL) defendeu que “a formação em CP no país tem, acima de tudo, de ser muito amplificada e profissionalizada”. Na perspetiva deste especialista, a profissionalização que beneficiaria a causa dos CP deveria até abarcar campos como “a comunicação, o marketing e a definição de estratégias a longo prazo”, pelo que se torna imperioso chamar para esta «empreitada» peritos não clínicos que possam ajudar a solidificar as mensagens chave dos CP.
No que respeita à formação clínica propriamente dita, um esforço meritório tem sido realizado dentro do mestrado em CP da FMUL, coordenado pelo próprio Rui Tato Marinho, formação que tem demonstrado uma crescente atratividade para os MF: “em 2020, um terço dos alunos do mestrado eram especialistas em MGF (…) pessoas com muita qualidade, avidamente interessadas neste terreno de conhecimentos”.