3º Encontro de Diabetologia reforça importância de olhar para além da doença

Programa do 3º Encontro Anual de Diabetologia

 

O Grupo de Estudos em Diabetologia (GED) da APMGF organizou o seu 3º Encontro Anual de Diabetologia, em formato on-line, abordando muitas das questões críticas na atualidade para a prestação de cuidados de saúde de qualidade à pessoa com diabetes, sobretudo numa fase complexa como a que atravessamos, ainda esmagada pelo peso que a pandemia de Covid-19 exerceu sobre os serviços e equipas de saúde.

Na abertura dos trabalhos deste 3º Encontro Anual de Diabetologia, o presidente da APMGF Nuno Jacinto defendeu que as sociedades científicas e médicas e os seus grupos de interesse têm como missão não apenas detetar problemas atuais enfrentados pelos doentes, mas sobretudo “propor soluções e conseguir influenciar quem define políticas e implementa medidas, com o intuito de que o nosso trabalho possa ser executado de uma forma rigorosa e com resultados mais palpáveis”. Já Ângela Santos Neves (coordenadora do GED) explicou que o programa deste evento foi construído em torno da ideia da melhoria dos cuidados à pessoa com diabetes e não da patologia que as afeta: “o que nos interessa focar não é a diabetes em si, são as pessoas que nos importam. As pessoas que têm uma família, as pessoas que é nosso dever cuidar e a quem procuramos melhorar a qualidade de vida e a autonomia, para quem procuramos que a diabetes seja uma mera intercorrência”.

Estevão Pape, coordenador do Núcleo de Estudos de Diabetes Mellitus da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, recordou que no último ano e meio muitos doentes com diabetes não tiveram o devido apoio clínico, sendo agora forçados a recorrer às unidades de saúde com situações complicadas: “a procura ao nível hospitalar está a ser crítica, por parte destas pessoas que não tiveram acesso a nada durante largos meses (…) neste momento temos de nos agregar e trazer de forma tranquila até nós aqueles que não conseguiram chegar aos serviços de saúde, esclarecendo que tratar a diabetes e a pré-diabetes é possível”. Para Estevão Pape, é nuclear que nesta fase profissionais de saúde hospitalares e não hospitalares comuniquem e trabalhem em parceria para recuperar o tempo perdido pelas pessoas com diabetes durante a pandemia: “é importante que estejamos juntos e em contacto direto, porque todos somos poucos”. Jorge Dores, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, reconhece que as equipas “tiveram de usar a criatividade para responder a algo que desconheciam e para o qual não existia um desfecho à vista” e que embora muitos doentes tenham sido prejudicados, dificilmente os profissionais poderiam ter ido além do que conseguiram: “fizemos o que era possível. Tivemos de nos desdobrar e dividir e com o confinamento não ficámos parados em casa, porque continuámos a fazer consultas. Mas isto foi um remedeio, na medida em que estas consultas telefónicas ou on-line não são consultas iguais às presenciais. Aceito-as em tempo de pandemia, mas daqui para a frente a utilização deste modelo é algo de que discordo completamente”.

No que respeita às lições úteis que podem ser extraídas do período pandémico para o acompanhamento da pessoa com diabetes, José Manuel Boavida (presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal – APDP) acredita que a realidade nos reforçou a urgência de apostar na educação estruturada: “temos sempre grande confiança em nós próprios, profissionais, mas esquecemo-nos que existem muitos colegas que não têm a mesma dinâmica ou vontade. Assim, é impossível pensar que a educação não seja estruturada. A APDP já apresentou um programa de educação estruturada, discutido aliás em grupos internacionais (…) lanço aqui o repto à APMGF e ao GED para perceber como poderemos avançar em conjunto com uma educação estruturada na diabetes, que na APDP decidimos chamar o ABC da Diabetes e à qual devem ter acesso todas as pessoas com diabetes”.

No entender de João Filipe Raposo, presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD), torna-se evidente no recaldo dos últimos meses que “no futuro, as pessoas que têm este tipo de doenças crónicas devem ser capazes de gerir a sua doença, em contacto e aconselhamento contínuo connosco”. Um dos desafios centrais para 2022 e anos posteriores será, de acordo com o presidente da SPD, “a capacidade de os profissionais de saúde utilizarem os recursos que a sociedade disponibiliza em sentido lato. Isto porque claramente os problemas suscitados pela diabetes não se resolvem através somente das estruturas de saúde. Nunca seremos nós, profissionais das unidades de saúde, a fazer o combate à diabetes enquanto agentes de prevenção ou a realizar o acompanhamento permanente destas pessoas ao longo da sua vida. O que é fundamental é que sejamos agentes capazes de mobilizar a comunidade”.

Colocar a pessoa no centro, sempre, é um objetivo desafiante

Numa das mesas chave deste encontro discutiu-se a organização de serviços centrados na pessoa com diabetes. A este propósito, Constantino Sakellarides, professor catedrático jubilado da Escola Nacional de Saúde Pública e antigo diretor-geral da Saúde considera que a função básica dos profissionais é “por a pessoa no centro, levar em consideração as suas necessidades vitais, as suas aspirações e ajudá-la deste modo a tratar a diabetes. Esta cultura não deve restringir-se à diabetes, mas permear de uma forma extensa todo o nosso serviço de saúde”. Para Constantino Sakellarides, mantemos em Portugal ainda “cuidados de saúde excessivamente associados à doença e pouco associados a pessoa” e para ultrapassar esta limitação uma das respostas possíveis é, antes de mais, o consolidar de uma estratégia que integre verdadeiros planos individuais de cuidados: “sem um plano que incorpore todas as situações que afetam a pessoa, que permita cuidar da mesma de forma diferenciada e adaptada à frequência com que recorre aos serviços, não conseguiremos ter cuidados de saúde de qualidade e muito menos cuidados centrados na pessoa”.

Para Ivo Reis (coordenador do Gabinete de Informação e Tecnologia da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos e membro da equipa para a área dos cuidados de saúde primários do Grupo de Apoio técnico à implementação das Políticas de Saúde – GAPS), uma das razões que ajuda a explicar a incapacidade de tratar as pessoas com diabetes de forma ideal, em muitos locais do país, prende-se com a maneira como os dispositivos de saúde estão estruturados e o seu elevado grau de complexidade funcional, que depende da boa interligação entre muitas variáveis, equipas e profissionais: “sofremos de «obesidade mórbida» nas nossas instituições e isto dificulta a prestação de cuidados, que em si mesma já é complexa”. Na gestão do seu quotidiano, os médicos de família sentem grandes dificuldades em encarar o doente como uma pessoa que está para além da diabetes, até porque a organização da agenda e os programas de saúde prioritários promovem algo bem distinto, como frisou Ivo Reis: “eu tenho no meu horário a consulta da diabetes (não da pessoa com diabetes, note-se) e se o utente lá chegar e se queixar de uma dor no joelho, sou forçado a marcar outro tipo de consulta. Ou seja, o próprio horário repartilha a procura integrada de cuidados por parte da pessoa”.

O diretor clínico da APDP e presidente da SPD, João Filipe Raposo, está convicto de que para a organização bem sucedida de serviços centrados na pessoa com diabetes é indispensável “conseguir incluir as pessoas com diabetes, na sua diversidade, nos processos de discussão”, bem como perceber se é possível “mediante o contexto atual e com o que está disponível hoje, melhorar a oferta”. Ainda na ótica do diretor clínico da APDP, concretizar serviços centrados na pessoa com diabetes é algo de impraticável se não existirem “bons sistemas e partilha de informação, otimização de recursos que impeça duplicação de atos, educação, identificação de barreiras aos melhores resultados em saúde e simplificação/estandardização de processos”.

Novembro é mês de sensibilização para a diabetes

No encerramento deste 3º Encontro Anual o presidente do Colégio de MGF da Ordem dos Médicos e editor-chefe da Revista Portuguesa de MGF, Paulo Santos, lembrou que “embora a MGF não seja uma especialidade de doenças específicas”, se tivéssemos de escolher uma patologia que defina e se adeque ao perfil do MF, essa doença seria sem dúvida a diabetes: “seja porque ela começa muitos anos antes com as questões da obesidade e da insulino-resistência, onde temos um potencial preventivo e terapêutico enorme, seja porque estamos envolvidos nos rastreios e conseguimos fazer o diagnóstico e orientar as pessoas mais precocemente (…) Sejamos honestos, orientamos mais de 90% dos doentes com diabetes e tratamos bem estas pessoas”.

Manuel Rodrigues Pereira, coordenador do Departamento de Estudos, Projetos e Ensaios Clínicos da APDP, destacou no fecho da iniciativa que a mesa se realizou na véspera do Dia Mundial da Diabetes e que novembro “é cada vez mais assumido como um mês para se falar da diabetes, uma altura de referência para se criarem iniciativas nas unidades de saúde de cada um de nós, no sentido de sinalizar a importância da diabetes”. O futuro coordenador do GED adiantou ainda que “a diabetologia é uma área fundamental no corpo de competências do MF”, que o GED pretende ser cada vez mais inclusivo e que para além de estar focado no próximo encontro anual deseja “apoiar projetos de investigação e trabalhos de intervenção na comunidade. Contem também com o nosso apoio para vos fornecer formação e para isso é essencial que nos identifiquem necessidades formativas”.

 

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