No rescaldo da escolha de Lisboa como palco da Conferência Mundial da WONCA em 2025, Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) – uma das promotoras do evento, em parceria com a Região Europeia da WONCA – garante que esta é uma grande responsabilidade que importa honrar e que a iniciativa representa “uma oportunidade fantástica para dar a conhecer não só que se faz por cá, mas também para que possamos nós conhecer em Lisboa o que se faz em todo o mundo, em primeira mão”.
Como encarou esta vitória da APMGF e da Região Europeia da WONCA na candidatura à 25ª Conferência Mundial da WONCA, em 2025?
Nuno Jacinto – Recebemos esta vitória com uma enorme satisfação! Era um desejo antigo da APMGF voltar a organizar um evento internacional, depois do sucesso que conhecemos em 2014, com a Conferência Europeia da WONCA, em Lisboa. A nossa candidatura era inovadora em muitos aspetos, a começar pelo facto de ser feita em conjunto por uma associação nacional e uma região continental da WONCA (no caso a APMGF e a Região Europeia da WONCA), tendo obrigado a um grande esforço concertado entre ambas as partes, durante os últimos meses. A vitória dá-nos enorme satisfação também pelo facto de outra candidatura se ter perfilado, que pretendia levar o evento para a África do Sul, uma candidatura que tinha excelentes méritos e estava muito bem pensada. Assim, saber que merecemos a confiança dos delegados do Conselho Mundial da WONCA, que estes consideraram que o nosso projeto tinha aspetos muito atrativos e seria a melhor escolha para 2025, é algo que nos deixa muito felizes. Ao mesmo tempo, a 25ª Conferência Mundial da WONCA é uma grande responsabilidade e vamos ter de trabalhar forte nos próximos quatro anos para conseguirmos montar um evento memorável. De qualquer modo, este é já um momento marcante para a Associação e para a Medicina Geral e Familiar (MGF) em Portugal, porque representa uma afirmação da MGF e dos cuidados de saúde primários (CSP) no nosso país, mas também daquilo que significamos a nível europeu e mundial. Vai ser uma oportunidade fantástica para dar a conhecer não só que se faz por cá, mas também para que possamos nós conhecer em Lisboa o que se faz em todo o mundo, em primeira mão. Estaremos, com toda a certeza, perante um momento inesquecível, nunca concretizado até agora em Portugal.
Como já referiu, é inédita a realização de uma conferência mundial da WONCA preparada em parceria por uma associação ou colégio nacional e uma estrutura regional da própria WONCA…este figurino levanta desafios específicos?
Sim, desde logo teremos uma comissão organizadora e uma comissão científica com elementos de vários países. Ou seja, não teremos apenas o foco no país onde se vai organizar a conferência, como é tradicional, mas sim uma visão organizativa que parte de várias realidades e perspetivas. A preparação da candidatura já forçou a um intenso trabalho conjunto, desenvolvido à distância, mas neste pós-pandemia contamos já com inúmeras ferramentas que nos permitem colaborar com qualidade, apesar de fisicamente separados, pelo que acreditamos que tal circunstância não vai ser um obstáculo, desde que devidamente coordenadas as agendas. Aliás, julgo que foi esta multiplicidade de contributos, esta visão mais regional do que nacional sobre o que deve ser discutido em 2025, que terá dado uma grande força à nossa candidatura.
A organização acredita que poderá ter 4 mil delegados em Lisboa, apontando para 2500 participantes oriundos da Europa e 1500 do resto do mundo. É uma meta ambiciosa, mas alcançável, no pós-pandemia?
Trata-se de um objetivo ambicioso, mas não é de todo irrealista. É um facto que estamos a viver uma pandemia complicada, mas sem querer fazer futurologia acredito que em 2025 já vamos poder deslocar-nos entre países e continentes de uma forma que não conseguimos fazer agora, isto até se levarmos em consideração o que nos diz a história da Medicina a respeito das pandemias. Independentemente de tudo isto, a meta de 4 mil delegados é ambiciosa, mas conta com um facto relevante: a conferência irá realizar-se num país que tem uma grande tradição de participação em conferências europeias e mundiais, o que significa que o contingente de colegas nacionais (MF e internos de MGF portugueses) representa, logo à partida, uma variável muito animadora. Vamos também poder contar, certamente, com colegas da Região Europeia e depois é preciso não esquecer todas as ligações que o nosso país e a APMGF têm, quer com o continente africano, quer com a Região Ibero-Americana da WONCA. Prevemos, como tal, que possamos atrair delegados de diversos locais do globo, imbuídos de grande entusiasmo para vir a Lisboa e que serão muito bem acolhidos, porque temos todas as condições para que isso aconteça.
Portugal, em si mesmo, foi um trunfo sólido para conquistarem o direito a realizar a conferência?
Sim, somos um país que tem desenvolvido muito a sua capacidade de acolher grandes eventos nos últimos anos, estamos em permanência no topo dos rankings de segurança e possuímos todas as estruturas fundamentais para suportar um congresso desta dimensão. Em acréscimo, os nossos CSP (pese embora todas as suas dificuldades diárias) são reconhecidos a nível mundial como sendo fortes e de enorme qualidade. Mediante tal conjunção feliz de circunstâncias, é nossa convicção de que podermos atingir a meta dos 4 mil delegados ou até, quem sabe, ultrapassá-la.
Não está ainda definido um tema geral para a conferência, muito menos os eixos programáticos. Ainda assim, qual será na sua opinião o tópico incontornável em 2025 que a MGF a nível mundial quererá explorar?
Vamos apostar, com toda a certeza, na temática de uma nova visão mundial para os CSP, sempre assegurando a importância da adaptação a cada realidade local. Esta visão, embora nova, repesca conceitos que são clássicos mas que se têm revelado, por vezes, difíceis de implementar. Falamos, por exemplo, da ideia de ter os CSP no centro dos serviços/sistemas de saúde espalhados pelo mundo. Vamos reforçar essa tónica e perspetivar de que forma, já bem entrados no século XXI, somos capazes de nos adaptar aos tempos modernos e não deixar cair essa dita centralidade. Obviamente que as coisas não se processam como há trinta anos atrás, de futuro teremos outras doenças e uma Medicina bem diversa daquela que conhecemos hoje, com outras tecnologias, capacidades de diagnóstico e tratamento, pelo que é obrigatório que consigamos perceber como os CSP devem abandonar modelos rígidos e ajustar-se às novas necessidades dos doentes. Em paralelo, vamos apostar muito na análise do desenvolvimento sustentável da Humanidade (em termos económicos, sociais e ambientais), porque existem muitos fatores que gravitam em torno da prestação de cuidados de saúde e da Medicina dos quais não nos podemos alhear. Se somos uma Medicina de proximidade e queremos continuar a sê-lo, então devemos estar enquadrados com a comunidade e preocupados com os seus anseios e interesses, em cada momento.