Entrevistado pela RTP3, o vice-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), António Luz Pereira, garantiu que as dificuldades sentidas nos centros de saúde (CS) são reais, face ao aumento substancial de casos de doentes sintomáticos com Covid-19 que acorrem aos cuidados de saúde primários (CSP): “temos aproximadamente seis vezes mais casos do que tínhamos no ano passado, por esta altura, e não contamos com seis vezes mais profissionais”. O dirigente associativo relembrou que os doentes com sintomas não graves podem ficar em casa, sem necessidade de recorrerem aos CS e serviços de urgência, esforço de contenção que em muito ajudará a evitar uma rutura do sistema nas próximas semanas: “a mensagem mais importante que temos de passar nesta altura em que se avizinha um número de casos ainda maior do que aquele que temos nesta altura – e para preservar todos os níveis de cuidados do SNS – é que os utentes que têm sintomas ligeiros ou moderados, ou que estão sintomáticos, se mantenham em casa, tranquilamente, aguardando a passagem dos dez dias de isolamento para depois poderem receber alta e fazerem a sua vida normal”.
António Luz Pereira garante que a vinda de doentes com sintomas ligeiros ou moderados aos CSP, em evidente crescimento exponencial, está a provocar “a redução de consultas e de outras atividades regulares, para dar resposta a doentes que muitas vezes não necessitam desses cuidados”. O vice-presidente da APMGF relembrou que, em média, cada médico de família (MF) terá cerca de 30 casos de doentes com Covid em seguimento e que “a cada dia que passa chegam mais cinco ou seis casos novos, casos esses que se mantêm durante os dez dias seguintes. O que significa que se tivermos 17 mil novos casos diários no país, teremos 170 mil novos casos sob responsabilidade dos CSP ao fim de dez dias”.
Um dos principais dilemas neste contexto prende-se com a dificuldade que os utentes (doentes de Covid confirmados ou utentes com queixas e sem diagnóstico) sentem para entrar em contacto com as unidades por via telefónica. “Sabemos que muitos doentes esperam horas para conseguir contacto com a Linha Saúde 24 e o mesmo se passa com os CS. Não nos podemos esquecer que desde o início da pandemia temos referido que as linhas telefónicas nos CS são antiquadas e não conseguem dar resposta a esta necessidade e quando vemos os números a aumentarem, essa necessidade também cresce”, explicou à RTP3 António Luz Pereira. O responsável alertou ainda para burocracias absurdas que se têm vindo a perpetuar durante a pandemia, relacionadas com o doentes Covid, que restringem ainda mais a capacidade de atuação dos profissionais: “a maioria dos doentes está em idade ativa e precisa de uma baixa médica para justificar a ausência no trabalho, baixa essa que deveria ser suportada só pelo teste positivo de Covid. Mesmo assim, o processo ainda passa pelos MF, que têm de passar a baixa em papel e assiná-la, digitalizá-la e enviá-la por e-mail para o utente. Esta é uma carga burocrática que poderia ser melhorada, através da desmaterialização destas baixas e da sua emissão automática a todos os utentes que têm teste positivo, de forma a retirar a carga excessiva aos cuidados de saúde, que diminui a capacidade de resposta a outros níveis”. António Luz Pereira lembra, aliás, o enorme volume de trabalho que hoje recai sobre os MF: “continuamos a ter a nosso cargo a avaliação e vigilância das grávidas, crianças, diabéticos, hipertensos e outros grupos de utentes e todos os dias recebemos novos doentes com doenças graves, que precisam de ser acompanhados. Temos também a vacinação, o acompanhamento presencial dos doentes Covid nas Áreas Dedicadas aos Doentes Respiratórios (ADR) ou por telefone, a nossa consulta de MGF habitual. Ora, nesta fase, torna-se muito complicado para nós conseguir gerir em simultâneo todas as tarefas”.