Comunicado APMGF

APMGF reitera que problema dos portugueses sem MF não vai ser resolvido com a colocação de indiferenciados nos CSP

É com enorme preocupação que a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) encara a entrada em vigor, no dia 28 de junho de 2022, da Lei n.º 12/2022 referente ao Orçamento do Estado para 2022, a qual determina que caso não existam condições para assegurar médico de família a todos os utentes dos ACeS cuja taxa de cobertura de médico de família seja inferior à média nacional, “os órgãos máximos de gestão dos serviços e estabelecimentos de saúde do SNS podem, a título excecional, celebrar contratos de trabalho em funções públicas a termo resolutivo incerto, ou contratos de trabalho a termo resolutivo incerto, consoante o caso, na proporção de um médico por cada 1900 utentes sem médico de família, incluindo os que a ele não tenham direito por sua própria opção, com médicos habilitados ao exercício autónomo da profissão, aos quais compete assegurar consulta médica, especialmente em caso de doença aguda, aos utentes inscritos numa lista pela qual ficam responsáveis”. Uma decisão que abre as portas para a entrega de listas de utentes a médicos sem a especialidade de MGF que venham a ser contratados neste regime excecional.

Exercer Medicina com qualidade nos CSP e nas Unidades de Saúde, requer conhecimentos médicos sólidos, experiência específica para lidar com todos os problemas de saúde, muitos deles complexos, dos utentes, de modo abrangente, holístico e continuado.

Os Médicos de Família têm um programa formativo especializado de 4 anos, antecedido por uma formação geral de 1 ano após o término do curso de Medicina. Estes 5 anos formativos permitem-lhe ter uma abordagem abrangente e integrada, que engloba a promoção e a prevenção das doenças, o seu tratamento bem como a coordenação dos cuidados necessários a cada utente. É o primeiro ponto de contacto médico com o sistema de saúde, pelo que se reveste de especial importância, sendo a base do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e essencial para o seu bom funcionamento.

A APMGF, tal como tem defendido intransigentemente nas últimas décadas, sublinha que o problema dos portugueses sem Médico de Família atribuído não pode ser resolvido com o expediente da colocação (transitória ou não) de médicos não especialistas nos CSP, mas sim por via de estratégias de longo prazo e sustentadas do Ministério da Saúde que permitam formar e manter os Médicos de Família no SNS. Mais uma vez, referimos que a redução das suas tarefas burocráticas e administrativas, o aperfeiçoamento dos sistemas informáticos e dos sistemas de comunicação com os utentes permitiriam, esses sim, ajudar os Médicos de Família a prestar cuidados aos seus utentes  beneficiando o sistema de saúde como um todo e contribuindo para a sua sustentabilidade.

É essencial que a tutela invista na efetiva valorização do trabalho dos Médicos de Família, garantindo as melhores condições para a prática clínica das equipas de saúde familiar, algo que, até ao momento, não tem vindo a acontecer em muitos locais do país. Esta, sim, devia ser a prioridade da Sra. Ministra, ao invés de ponderar alternativas que não darão aos portugueses aquilo por que anseiam: um verdadeiro Médico de Família, com as competências e o perfil adequado para cuidar em continuidade de si e da sua família. Mais ainda, a proposta do Ministério da Saúde vai à revelia do que são as recomendações das Diretivas Europeias.

Ao invés de contratar colegas não-especialistas, o foco deve estar na contratação de colegas especialistas já existentes. Recordamos que nos últimos anos centenas de especialistas em Medicina Geral e Familiar optaram por sair do SNS, não escolhendo as vagas disponibilizadas nos concursos. A ausência de perspetivas de uma carreira aliciante e com as adequadas condições de trabalho são algumas das razões dessa saída. Acresce ainda que a possibilidade de colegas não especialistas integrarem as equipas dos centros de saúde, o que agravará o sentimento de desânimo nos atuais e futuros internos em formação. Pelo contrário, o alargamento das unidades com pagamento sensível ao desempenho, a garantia de uma carreira ágil e que premeie o mérito, a existência de incentivos nas zonas mais carenciadas, a elaboração de mapas de vagas orientados para as necessidades futuras ou, ainda, a flexibilidade de horário com garantia da compatibilização do trabalho com a vida familiar, poderão possibilitar o retorno dos colegas especialistas e a uma efetiva redução dos utentes sem Médico de Família. Estas medidas poderão ser aplicadas a muito curto prazo e terão impacto imediato.

Para que não restem dúvidas: a APMGF opõe-se de modo absoluto e sem reservas a qualquer tentativa de substituir especialistas em Medicina Geral e Familiar por médicos não especialistas. Dar um Médico de Família a cada português – bandeira deste e anteriores governos e com a qual estamos inteiramente de acordo – significa isso mesmo, dar um Médico de Família, com todas as suas aptidões específicas, experiência e visão holística de cuidados e preparação para trabalhar em modelo colaborativo com outros profissionais dos centros de saúde e de outros níveis de cuidados.

É totalmente errado oferecer um remendo que apenas irá iludir os utentes e adiar a resolução dos seus problemas de saúde, com risco de se traduzir negativamente na organização e planeamento sustentado do SNS. Todos os portugueses merecem acesso a uma saúde de qualidade.

A Direção Nacional da APMGF

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