Aposta nos CSP não se pode resumir a palavras de ocasião

O 20º Encontro Nacional de Internos e Jovens Médicos de Família, a decorrer em Lisboa entre 29 de setembro e 1 de outubro e que reúne aproximadamente 400 participantes, ficou marcado no seu dia de abertura por um binómio: formação e respeito. Formação, vetor indispensável para os internos de MGF e recém-especialistas, adaptada às suas necessidades e respetiva fase da carreira médica – como aquela que foi desenhada pela APMGF e pelas comissões de internos de MGF das várias regiões do país, em parceria – e respeito, devido pela tutela, pelos diversos níveis da administração de saúde e pela sociedade em geral, face ao imenso esforço que tem vindo ser solicitado a estes profissionais, nos últimos anos.

“Estamos a celebrar 20 anos desde a 1ª edição do Encontro de Internos e Jovens MF, que se realizou pela primeira vez em 2002, em Beja. Nessa altura, sentiu-se a urgência de realizar algo dirigido aos médicos internos de MGF e recém-especialistas e hoje a APMGF continua a sentir a mesma necessidade, a de realizar um evento com temas técnico-científicos e sócio-profissionais muito virados para realidade destes colegas”, testemunha Nuno Jacinto, presidente da APMGF.

Aproveitando a presença da secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares, no início dos trabalhos, Nuno Jacinto quis vincar várias mensagens chave no seu discurso: “reforçámos junto da Sra. Secretária de Estado que nós, MF, fazemos parte da solução e estamos disponíveis para continuar a colaborar e encontrar soluções que permitam melhorar a qualidade do exercício da MGF, assim haja vontade para mudar o panorama e colocar, em definitivo, os CSP e a MGF no centro da política de saúde, algo que não tem acontecido até agora”.

Para o presidente da APMGF, torna-se evidente “que se queremos ter um SNS forte, com mais MF, temos de valorizar e respeitar o trabalho destes profissionais. Esperamos que esta nova equipa ministerial e a nova direção executiva do SNS possa materializar tal mudança clara de políticas”. Por ora, e na ótica de Nuno Jacinto, os primeiros indícios são positivos, mas é ainda muito cedo para embandeirar em arco: “as palavras da Sra. Secretária de Estado foram acertadas e ao encontro dos nossos desejos, nomeadamente o facto de contarem connosco para a promoção da saúde e de perceberem que o sistema não se pode basear sobretudo nos hospitais, mas antes nos CSP. Por outro lado, a decisão da Sra. Secretária de Estado, numa das suas primeiras aparições públicas, de estar junto dos internos de MGF e jovens MF é um bom sinal. Mas precisamos de políticas concretas e que estes sinais se traduzam em algo de verdadeiramente palpável”.

Já Margarida Tavares garantiu que embora “em sistemas de saúde cujos recursos são finitos seja difícil canalizar parte desses recursos para a prevenção e promoção da saúde”, os jovens médicos de família “são absolutamente cruciais e uma aposta muito grande nesta visão da saúde”. Assim, a governante avisou que os internos e jovens MF são aliados a quem vai recorrer: “vocês são quase os primeiros profissionais de saúde a quem me apresentei publicamente, após assumir funções e certamente que trabalharemos juntos no futuro”. Margarida Tavares recordou ainda a atuação meritória dos CSP e dos seus profissionais na luta contra a Covid-19: “conseguimos responder de forma muito digna e protegemos o melhor que soubemos a saúde da nossa população. Nesse combate, vocês tiveram um papel fundamental”.

A secretária de Estado declarou ainda que a recém-empossada equipa da João Crisóstomo está a rever o orçamento para área da saúde e que com apostas e medidas que pretende implementar e as verbas do Plano de Recuperação e Resiliência “será possível fazer melhor e responder à altura dos desafios que temos pela frente”.

Por último, a governante sublinhou que os profissionais dos CSP merecem reconhecimento pelo trabalho que desenvolveram nos últimos anos, num ciclo muito complicado, um reconhecimento que “vá para além de um palmadinha nas costas. Tudo farei para que isso aconteça”. Margarida Tavares alertou também para o facto de nas décadas que se avizinham os profissionais enfrentarem “um desafio gigantesco motivado pelo envelhecimento da população, um desafio enorme sobretudo para quem tem de cuidar, como os especialistas em MGF”.

Uma nova geração de MF que vive com a ansiedade da deslocalização

Num programa recheado por sessões temáticas, momentos específicos para apresentação de trabalhos científicos e cerca de uma dezena de workshops, destacou-se na jornada inaugural do Encontro a sessão dedicada à etapa primeira da carreira dos jovens MF, as suas dificuldades, escolhas e perspetivas. É por demais conhecido o problema da distribuição desigual e desequilibrada de médicos de família no país, que em muito afeta determinadas populações (em particular na Região de Lisboa e Vale do Tejo e Algarve), contudo é pouco focado na opinião pública e publicada o leque de razões que conduzem à ausência de médicos de família em muitos locais e à existência, ano após de ano, de vagas de MGF por preencher. Uma das sessões fundamentais deste evento esteve, precisamente, centrada nas estratégias de fixação dos recém-especialistas em MGF e nos motivos que levam muitos deles a procurar trabalho no setor privado ou no estrangeiro, em detrimento do SNS.

Durante a referida mesa-redonda, Diana Gonçalves (médica Interna de MGF na USF ARS Médica, ACeS Loures – Odivelas e membro do Conselho Nacional do Médico Interno) teve a oportunidade de apresentar os resultados de um questionário construído pela organização do ENIJMF, em colaboração com as comissões de internos de MGF, que procurou aferir as razões de fixação ou abandono dos locais de formação por parte dos jovens MF e internos de MGF. A auscultação colheu 302 respostas entre internos de MGF e recém-especialistas e revelou que 39% dos inquiridos não desejam permanecer enquanto especialistas no seu ACeS de formação, sendo que entre aqueles que expressaram esta opinião, 63% o fazia alegando que o ACeS em causa está distante da sua rede familiar e 35% porque pretendia trabalhar no setor privado. Por outro lado, 17% dos que manifestavam intenção de se afastar do ACeS de formação pensavam em emigrar. Diana Gonçalves explicou também que além de questões remuneratórias, as condições precárias de trabalho foram alegadas por uma larga fatia daqueles que tinham por intenção abandonar o SNS quando terminassem o Internato: “alguns dos colegas internos fizeram-nos ver que estavam desagradados com as chefias ou a falta de valorização profissional”. O balanço desta sondagem muito simples parece ter apontado para quatro variáveis chave que influenciam a vontade de os jovens profissionais se fixarem no local de formação ou optarem por sair: o tempo, a valorização profissional (ou ausência dela), o salário e as condições de trabalho. “Lanço o desafio às direções dos ACeS, aos dirigentes das ARS, de visitarem os locais de maior carência, perceberem as dificuldades quotidianas dos MF nestes locais. Este questionário deu voz a estes profissionais e é importante ouvirmos as pessoas e encontrar soluções para os problemas detetados”, acrescentou Diana Gonçalves.

Eunice Carrapiço (diretora executiva do ACeS Lisboa Norte) explicou que as conclusões do questionário “estão em linha com a nossa perceção dos principais fatores que motivam ou desmotivam os jovens MF a permanecer no SNS”. Naquilo que depende dos ACeS e dos seus esforços, a diretora executiva admite “que a existência de infraestruturas e equipamentos onde as pessoas possam exercer a sua atividade com dignidade é importantíssimo. No nosso agrupamento, por exemplo, conseguimos ter nos dois últimos anos três novos centros de saúde, que abriram a possibilidade de contar com cinco novas USF a funcionar, algo que faz toda a diferença”.

Por seu turno, Nuno Jacinto, presidente da APMGF, frisou mais uma vez que os mapas de vagas de internato de MGF têm de refletir as necessidades atuais e futuras de recursos médicos nas diversas regiões, porque de outra forma o eterno jogo das cadeiras não terá fim: “não podemos continuar a manter estas discrepâncias e passados quatro ou cinco anos, quando os colegas já têm as suas redes familiares e de suporte criadas, procurar mobilizá-los à força”.

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