Gerir o stress e evitar o burnout… com inteligência emocional

O segundo dia do 20º Encontro de Internos e Jovens Médicos de Família ficou marcado pela sessão dedicada à gestão do stress e à utilização da inteligência emocional para o superar e evitar potenciais situações de burnout, um problema que se tornou cada vez mais comum entre a classe médica e entre os jovens médicos e que registou um agravamento considerável com o advento da pandemia.

A este propósito, Joana Pena Ferreira (consultora de Desenvolvimento Pessoal e formadora) assegurou no evento que nos dias que correm “resiliência não significa ultrapassar todos os limites” e que os profissionais de saúde têm direito a trabalhar com segurança psicológica e em contextos que não promovam a exaustão. Esta especialista recordou ainda que “uma das principais características de quem está a entrar em burnout é a pessoa começar a duvidar de si mesma”, a que se juntam sinais como a falta de concentração e de motivação, um sentimento de derrota, desamparo ou aprisionamento, um atitude mais negativa para com a vida e o trabalho e uma maior propensão para a irritabilidade. Mas o que fazer, na prática, para passar ao lado deste «abismo»? Joana Pena Ferreira deixou alguns conselhos simples que podem ser valiosos para os jovens médicos, como seja o recurso a aplicações on-line vocacionadas para o tempo pessoal, escrever um Diário do Sonho ou implementar cinco atitudes diárias, que passam por reservar um momento do dia para preocupações, assumir um propósito para cada dia, fazer exercício regular, respirar profundamente quando o índice de ansiedade sobe e procurar estar focado no presente e nos objetivos da jornada. A consultora reconhece que em alguns casos é sempre possível recorrer a terapêutica medicamentosa para ajudar pessoas que estejam a entrar em burnout, porém sublinha que alterações de comportamentos são imprescindíveis para obter uma solução sustentada a longo prazo: “é sempre necessário que existam mudanças comportamentais. Se continuarmos a fazer as mesmas coisas, não vamos obter resultados diferentes”.

Alexandra Fernandes, médica de família envolvida no projeto Via Verde Saúde do Concelho do Seixal, convidou os participantes da sessão a perspetivarem um plano pessoal de vida, à semelhança do plano pessoal de formação que lhes é exigido durante o Internato. Um plano que lhes permita alcançar equilíbrios entre as dimensões individual, familiar, social e profissional. Uma das componentes essenciais deste plano será estabelecer prioridades: “por vezes, andamos perdidos e as nossas prioridades não correspondem aos objetivos de vida que expressamos como sendo nossos”. Outro ponto fundamental neste trajeto para o reequilíbrio é a capacidade de dizer não, como referiu Alexandra Fernandes: “e não estamos aqui a falar de dizer não a coisas más, porque isso é normal e fácil. Mas antes dizer não a coisas boas, na medida em que são boas e nos agradam nas não são prioritárias”.

Esta médica de família aperfeiçoou também uma filosofia de vida, ao longo do seu percurso, que sumaria na expressão «fazer suficientemente bem», uma postura que quando adotada evita tremendas perdas de tempo e energia. De facto, para Alexandra Fernandes “o perfecionismo mata-nos. O perfecionismo, aplicado a todas as facetas da vida, é a condução imediata para o burnout”.

Já Catarina Viegas Dias, médica de família na UCSP Olivais (ACeS Lisboa Central) que para além da sua carreira médica é igualmente cantora e cantautora (com o nome artístico de Catarina Munhá), ofereceu aos participantes no Encontro a possibilidade de ouvirem a sua canção «Cópia Pirata», povoada por ecos de exaustão, esforço inglório contra a adversidade, despersonalização e afundamento, fruto em parte da sua experiência pessoal com a pandemia e os tempos difíceis que esta trouxe.

A médica de família aludiu aos cerca de 40% de médicos e enfermeiros em burnout, de acordo com dados de investigação nacional realizada um pouco antes da pandemia: “para mim, individualmente, revelou-se um problema, para os meus colegas de unidade também e na realidade é um problema mundial e foi isto que me motivou a estudar as causas”. No decurso de tal avaliação, Catarina Viegas Dias apercebeu-se de que as condições e a carga de trabalho exercem um forte efeito sobre os profissionais neste domínio, “assim como o equilíbrio possível entre a vida pessoal e o contexto laboral, a autonomia na definição de quanto, quando e como trabalhamos e o apoio da liderança”.

A médica da UCSP Olivais acredita que embora seja positivo e adequado os profissionais atuarem sobre aquilo que podem controlar diretamente e que contribui para o desgaste diário – reservando tempo para atividades que lhes dão prazer, ajustando os objetivos de vida e organizando de forma mais harmoniosa a sua agenda – fatores externos existem que não dependem dos médicos e que merecem ser nomeados: “é preciso pensar nas soluções sistémicas e, aliás, a literatura explica-nos que o burnout é um problema tão persistente porque nos falta uma visão societal do burnout. Ou seja, não podemos descurar os fatores extrínsecos. E as soluções extrínsecas passam por melhorar o equilíbrio entre trabalho, vida familiar e outras atividades, diminuir a sobrecarga laboral, aumentar o reconhecimento das profissões da saúde, a criação de um ambiente laboral favorável às equipas, aumentar a autonomia dos profissionais para gerir os seus horários e consolidar lideranças compassivas”.

 

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