APMGF expõe na Comissão Parlamentar de Saúde atual contexto difícil vivido nos CSP

Uma delegação da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), composta por vários elementos da sua Direção Nacional, foi hoje – 12 de outubro – ouvida pelos deputados que integram a Comissão Parlamentar de Saúde da Assembleia da República (AR), num encontro em que foram debatidos assuntos essenciais para a prestação de cuidados de saúde primários (CSP) de qualidade em Portugal, para uma evolução favorável da Medicina Familiar nas décadas que se avizinham e, em consequência, para o desenvolvimento sustentável do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e de todo o sistema de saúde nacional. Pode assistir à transmissão em diferido da audiência.

Em cima da mesa estiveram matérias como a valorização do trabalho do médico de família (MF), o crescimento do número de cidadãos sem MF atribuído, o potencial desvirtuamento dos CSP criado pela possibilidade de médicos não especialistas passarem a gerir listas de utentes nos centros de saúde (cenário entreaberto pelo último Orçamento de Estado), o impasse que parece ter atingido a reforma dos CSP e o modelo organizativo das unidades de saúde familiar (USF), as carências de equipamentos e instalações que ainda afetam muitas equipas de saúde familiar, a burocracia com que são forçados a conviver os MF, numa base diária, ou a urgência de incrementar de forma exponencial a literacia em saúde da população portuguesa, no sentido de a ajudar a usar de forma mais eficiente a oferta de saúde, pública e privada.

Nuno Jacinto, presidente da APMGF, sublinhou junto dos deputados que relativamente à definição de quem deve acompanhar, do ponto de vista médico, os utentes nos centros de saúde não podem subsistir dúvidas, mesmo em tempos de escassez ou má distribuição de recursos humanos: “um médico de família é um especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF) e, como tal, tem de ser um especialista em MGF a assumir listas de utentes. Para nós, isto é claro. Tudo o resto que fuja a este modelo representa um retrocesso e uma diminuição da qualidade dos cuidados prestados”. Já em resposta a diversas questões dos deputados sobre alternativas para retirar pressão dos CSP que passam por uma maior uniformização do modelo organizativo, pela expansão do número de USF em modelo B ou a abertura de USF em modelo C, recorrendo à iniciativa privada, Nuno Jacinto explicou que é fundamental acabar com as iniquidades em saúde e conceder também aos profissionais maior liberdade para desenharem a oferta de cuidados mais adequada à área em que trabalham: “todos os que estão no terreno concordam que não pode haver tamanha disparidade entre unidades, mas o nosso receio é que se tente nivelar por baixo. A reforma foi criada no sentido de possibilitar a progressão e o modelo A das USF seria até um modelo de transição, que depois se tornou num modelo de permanência. E a USF em modelo B passou a ser a cenoura, uma cenoura que passou a ser quase inatingível (…) Por outro lado, seria bom – chamem-lhe modelo C ou outra coisa qualquer – que se desse autonomia aos profissionais e às equipas para constituírem os seus projetos, a sua carteira de serviços e dizerem o que faz sentido naquele local, acreditando que os profissionais sabem qual a melhor resposta a dar”.

No âmbito da fixação de MF em áreas carenciadas, a vice-presidente da APMGF Susete Simões defendeu que todas as vagas para MGF no país permaneçam abertas, quando não são inicialmente preenchidas: “se todas as vagas permanecerem abertas, seja quando saem recém-especialistas, seja nos períodos intercalares, seria ótimo. Se tal acontecesse, porventura não estaríamos hoje tão preocupados com as ditas unidades carenciadas e poderíamos progredir de uma forma mais tranquila”. Susete Simões abordou ainda a questão da literacia em saúde, tão relevante para o fluxo otimizado de doentes no SNS, declarando que este é um domínio no qual os MF e as equipas de saúde familiar poderiam ser um importante aliado, não fosse um obstáculo evidente: “se tivéssemos mais tempo nas nossas consultas e mais tempo disponível passado com a nossa população, conseguiríamos fazer mais e melhor. Enquanto especialista em MGF, eu não consigo tirar uma manhã ou uma tarde para me deslocar a um infantário ou um escola e transmitir informação valiosa. E este problema entronca, é claro, na questão das nossas listas de doentes, que são extremamente extensas”.

Paula Broeiro (vice-presidente da APMGF) recordou os parlamentares que para se ter uma imagem fidedigna dos desafios que se colocam aos CSP, é indispensável olhar para além do MF: “com a crescente complexidade dos cuidados prestados, cada vez mais precisamos de verdadeiras equipas de saúde. Na minha UCSP faltam MF, mas igualmente enfermeiros, secretários clínicos e outros profissionais de saúde. Com vista a poupar os médicos para as tarefas que eles estão capacitados a gerir, temos de admitir outros profissionais que os libertem de trabalhos para os quais não estão tão bem preparados”.

Pese embora a enorme evolução que os CSP conheceram nos últimos 30 anos e do forte investimento aplicado em instalações, as condições físicas de trabalho dos MF não são ainda as ideais em alguns pontos do país, como frisou outro vice-presidente da Associação, António Luz Pereira: “os CSP, em termos de edifícios, ainda estão muito aquém dos cuidados hospitalares. Existem no presente estruturas dos CSP que são adaptações de edifícios com outros fins, construídas nos anos 80, 70 ou 50 do século passado, sem condições para prestar cuidados de saúde de qualidade. Algo que se viu, aliás, durante a pandemia, com equipas a não poderem dar uma resposta adequada face à impossibilidade de criarem circuitos diferenciados, ou à existência de uma única porta na unidade, por exemplo”.

Com o intuito de ilustrar uma realidade específica e bem próxima do centro de poder que representa a AR, o vogal da Direção Nacional da APMGF e MF no Agrupamento de Centros de Saúde de Cascais, Mário Santos, garantiu que até nesta zona mais privilegiada da nação perduram carências que importa aplacar: “os CSP não vivem só de MF, enfermeiros de família e secretários clínicos, é vital não esquecer. Em Cascais temos um grande défice de outros profissionais, nomeadamente fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, etc. Contamos com um fisioterapeuta e uma profissional de Medicina Dentária para 225.268 inscritos”.

 

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