«Retalhos» que nos ajudam a recuperar valores perenes da Medicina

A celebrada obra «Retalhos da vida de um médico», do escritor e médico português Fernando Namora, estará em destaque na próxima sessão do Clube de Leitura APMGF, programada para o dia 30 de novembro (nova data), pelas 21h00. A participação no Clube de Leitura está sujeita a inscrição prévia, é gratuita para os sócios da APMGF e tem um custo de 35 euros para não sócios (valor que permite participar no ciclo integral de oito sessões). No final do ciclo, todos os participantes do Clube de Leitura que tenham assistido às sessões em direto receberão um diploma de participação entregue pela APMGF.

Ana Resende Mateus, médica de família (MF) na USF Horizonte – Unidade Local de Saúde de Matosinhos – irá dinamizar a sessão do dia 30 e partiu de si a escolha deste livro do autor de Condeixa-a-Nova (que integrou o grupo literário conhecido como geração de 40, em conjunto com Carlos Oliveira, Joaquim Namorado e João José Cochofel, por exemplo). A opção por este livro, que se tornou já um clássico da literatura portuguesa e que mereceu, inclusive, uma adaptação cinematográfica em 1963 (selecionada para o Festival de Berlim), foi para Ana Mateus um passo natural: “escolhi esta obra pelo papel determinante que teve para mim em duas das melhores decisões que tomei na minha vida. Escolher ser médica e, anos mais tarde, escolher ser médica de família. Pareceu-me que, como a mim me ajudou, poderia ajudar outros. Revelou-me um modo de ser médico inteiro, de pessoas inteiras, na comunidade e na família onde viviam, com toda a sua carga de vida bem conhecida e abordada diariamente – que me fazia muito mais sentido do que o modo hospitalar, asséptico, de fazer as coisas, mais meu conhecido mas que não me atraía minimamente. Abriu-me o espírito para o caminho de que andava à procura e tenho, por isso, uma dívida de gratidão a Fernando Namora”.

A MF salienta, também, o impacto da obra de Namora para a sociedade portuguesa e a urgência de resgatar o seu legado: “outra razão para a escolha teve a ver com o facto de Namora ser um extraordinário escritor, dos mais traduzidos e lidos dos anos 70 e 80 em Portugal. Mas hoje, com prejuízo nosso, muito menos lido e lembrado. Inserido como esteve no movimento neo-realista – fundado em preocupações como o humanismo, a dignidade humana, a equidade, a justiça social – trabalhou nas suas narrativas muitos valores caros à nossa profissão e que cada vez mais são colocados em causa, pela vertigem massificada com que temos sido obrigados a exercê-la atualmente. É importante recuperá-los, não nos deixarmos perder do essencial e creio que esta obra nos pode ajudar”.

O livro mais afamado de Fernando Namora é, para todos os efeitos, uma coleção de histórias que ajuda não só a desenhar um retrato do nosso país em meados do século passado, mas um auxiliar precioso para os profissionais de saúde mais jovens, uma vez que condensa noções e avaliações essenciais para quem cuida, seja em que época for, como explica Ana Mateus, que enfatiza algumas das mensagens da obra que fazem todo o sentido na realidade clínica do presente: “o carácter de proximidade, de acesso fácil e descomplicado ao médico, do ponto de vista físico e da linguagem; o relevo dado à história e aos valores do doente na decisão clínica; a constante capacidade de autoanálise do médico e a honestidade intelectual no que diz respeito ao erro clínico. O sigilo; o profissionalismo; a cordialidade e a adequação nas relações entre colegas e com outros elementos envolvidos no processo de cuidar. A boa gestão da incerteza numa prática complexa, mas despida de meios tecnológicos; o modo como se comunicam as notícias que nunca gostaríamos de ter que dar e como gerimos as nossas próprias angústias… As ansiedades do narrador-médico-principiante, que espreita às escondidas na sala do lado, discretamente, os compêndios para amparar as inseguranças clínicas… A evolução do olhar e das atitudes do «médico-escritor» e, depois, do «escritor-médico», ao longo do arco temporal de 14 anos durante o qual se desenvolve a obra”.

Ana Mateus vai mais longe e considera que a própria configuração da obra é bastante útil para a prática clínica em 2022 e potencialmente adaptável a figurinos recentes que ajudam na desconstrução médica, como blogs, vlogs ou podcasts: “os retalhos não são propriamente um diário, mas no seu formato de coleção de pequenas narrativas, com eventuais elementos ficcionais à mistura, sugerem-nos caminhos como a escrita criativa, seja em que formato for, como estratégia de revisão critica e terapêutica da espuma dos nossos dias clínicos e das relações com os pacientes e os pares. Tudo é muito intenso hoje e esse bom hábito tende inevitavelmente a perder-se no meio dos dias recheados de inadiáveis que fazem desaparecer, por sistema, o tempo para o essencial. É uma forma de auto-cuidado do médico que considero fundamental”. Em paralelo, a dinamizadora da sessão defende que os «Retalhos» pode constituir-se como “uma introdução muito recomendável quer à técnica, quer aos resultados da Medicina Narrativa”.

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