A APMGF aprovou na sua última Assembleia Geral um documento estratégico para a redução da pegada carbónica da Associação, requisito para pertencer ao Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), organização fundada com o intuito de intervir nas questões das alterações climáticas e degradação ambiental que afetam a saúde das populações. Com este passo, a APMGF pode dar sequência ao seu trabalho no seio do CPSA, uma entidade de que é membro fundador, em conjunto com mais 36 organizações, a maioria representante da área médica, de diversas especialidades e sectores, a que se juntam estruturas representativas da indústria farmacêutica, da academia, da Medicina Veterinária, entre outras.
De recordar que a primeira Assembleia Geral do CPSA decorreu no passado dia 31 de outubro de 2022, na Fundação Calouste Gulbenkian, reunião que permitiu a tomada de posse dos corpos diretivos da organização e a aprovação dos seus estatutos. A sessão foi bastante participativa, dinamizada por Luís Campos (presidente da direção do CPSA) e João Queiroz e Melo (vice-presidente do CPSA), que fizeram um diagnóstico alarmante da saúde global com base na evidência de que as alterações climáticas e a degradação dos ecossistemas já estão a ter um impacto significativo nas populações, ameaçando o futuro da humanidade. No dia do lançamento do CPSA, Luís Campos recordou que as alterações climáticas irão trazer consigo a alteração epidemiológica das doenças, o aumento das doenças cardiovasculares e pulmonares, e “uma maior probabilidade” de pandemias e catástrofes, que “o sistema de saúde tem de estar cada vez mais preparado para dar resposta a estas mudanças e a estes acontecimentos, cada vez mais frequentes no futuro” e que os profissionais de saúde, por seu turno, “como defensores dos doentes – mas também como cidadãos –, têm a obrigação ética de se envolver neste alerta global”.
Já Mário Santos, membro da Direção Nacional da APMGF, sublinha que este é momento de passar à ação: “quando se sabe que o sector da saúde é um importante poluidor do planeta e a OMS estima que as alterações climáticas estejam a custar 150.000 vidas anualmente, é um imperativo ético que a comunidade médica portuguesa se congregue em torno de uma necessidade absoluta e urgente – encontrar uma estratégia comum que permita reduzir os impactes das alterações climáticas e da degradação ambiental na saúde humana. A criação do CPSA vem dar corpo a esta exigência, ao mesmo tempo que permite uma ação concertada das organizações relacionadas com a saúde e o ambiente, e possibilita o uso da sua força representativa para pressionar os decisores para as mudanças necessárias”.
O dirigente acrescenta ainda que “a APMGF não poderia deixar de se envolver ativamente neste desígnio. Por isso, elaborou e aprovou uma estratégia explícita de redução da sua pegada ecológica, nas atividades que desenvolve. A APMGF também reconhece que os médicos de família se encontram numa posição relevante para promover a cidadania ambiental na defesa de práticas sustentáveis para o meio ambiente e na «conscientização das pessoas sobre os riscos para a saúde das mudanças climáticas e da degradação ambiental». Este objetivo cumpre inteiramente um dos propósitos estatutários da APMGF, uma Associação que «tem fins científicos, culturais e sociais de aperfeiçoamento científico, técnico, organizativo, ético e humano da prática médica de Medicina Geral e Familiar»”.
Profissionais de saúde devem abandonar inércia e combater pelo planeta
A médica interna de MGF Inês Laplanche Coelho (USF Dafundo) é a autora de um dos poucos artigos publicados em revistas científicas nacionais subordinado ao tema das correlações entre a saúde – e em particular a MGF – e alterações climáticas (Coelho, I. L. [2021]. Combater as alterações climáticas na medicina geral e familiar em Portugal. Revista Portuguesa De Medicina Geral E Familiar, 37[2], 190–4. https://doi.org/10.32385/rpmgf.v37i2.12702). Segundo a mesma, “é inequívoca a evidência científica existente sobre o enorme impacto das alterações climáticas na saúde humana. Os eventos climáticos extremos associados à mudança do clima aumentam o risco de doenças e mortes relacionadas com o calor, causam mais exacerbações de doenças respiratórias e cardiovasculares, aumentam a prevalência de certas doenças infecciosas, têm efeitos a nível da saúde mental e podem gerar mudanças na prevalência e distribuição geográfica de doenças relacionadas com vetores assim como aumentar o risco de desnutrição. A magnitude destes efeitos será tanto maior quanto o aumento médio da temperatura à superfície terrestre continuar a aumentar acima de 1,5°C. Torna-se, por isso, emergente a redução das emissões de gases com efeito de estufa”.
Para a médica interna de MGF da USF Dafundo, não restam dúvidas de que “parece existir uma inércia relativa a este assunto no seio dos profissionais de saúde mas que, infelizmente, reflete o que se passa na sociedade em geral. Um aspeto importante a realçar é que se trata de um tema ainda pouco abordado a nível da formação pré e pós-graduada, o que pode contribuir para a falta de sensibilização dos profissionais de saúde para o assunto e o não reconhecimento desta ligação direta. É por isso urgente trazer este assunto para a ordem do dia no setor da saúde”.
Na perspetiva de Inês Coelho, o surgimento do CPSA é uma mudança positiva neste sentido: “a criação do Conselho Português para a Saúde e Ambiente poderá representar um primeiro passo na consciencialização dos profissionais de saúde para o assunto e uma oportunidade para discutir as medidas de mitigação e adaptação às alterações climáticas que é urgente o setor da saúde implementar. É uma oportunidade para se fazerem mudanças individuais e coletivas e pressionar os decisores políticos a tomarem algum tipo de posição sobre as mudanças estruturais que têm de acontecer, no setor da saúde, mas não só. A pressão para a apresentação de resultados efetivos é enorme, pois soluções ineficazes representam tempo desperdiçado no contra-relógio da crise climática”.