Dissertação sobre os excessos da loucura… e da falta dela

Da pena de Machado de Assis, grande figura da literatura clássica brasileira, saiu o livro «O Alienista», conto extenso a explorar durante a próxima sessão do Clube de Leitura APMGF, programada para o dia 17 de janeiro, pelas 21h00. A participação no Clube de Leitura está sujeita a inscrição prévia, é gratuita para os sócios da APMGF e tem um custo de 35 euros para não sócios (valor que permite participar no ciclo integral de oito sessões). No final do ciclo, todos os participantes do Clube de Leitura que tenham assistido às sessões em direto receberão um diploma de participação entregue pela APMGF.

Ler «O Alienista» significa aceitar o repto de entrar num universo muito próprio, no qual as diferenças entre a sanidade e a loucura são delineadas a cada curva por um herói caído em desgraça, impulsionado pelo espírito positivista, um cientificismo sem recuos, ao mesmo tempo que as consequências dos seus pensamentos e atos saem ridicularizadas por um narrador que representa o cidadão que vive terra-a-terra e que assume, sem rodeios, um tom sarcástico e a pender para a crítica social. É a historia do Dr. Simão Bacamarte, conquistador de boa reputação na Europa e no Brasil enquanto médico, que volta à cidade natal de Itaguaí. Ali, dedica-se por inteiro a ajudar o povo na qualidade de alienista, um especialista médico característico do século XIX, dedicado ao estudo, tratamento e cura de diferentes perturbações e síndromes psicológicas e psiquiátricas, suportado numa espécie de Pré-Psiquiatra em vigor à época. No seu trajeto – que se assume sempre como bem-intencionado de base, mas tortuoso na execução – o Dr. Bacamarte cria um hospício, a Casa Verde, onde acaba por internar grande parte do povoado, por observar loucura em todos os comportamentos invulgares. Após a eclosão de uma revolta popular (instigada por tamanho abuso discricionário) e de tomar consciência plena da invalidade das suas teorias sanitárias, Bacamarte cede à tentação última de se diagnosticar louco e enclausura-se na maldita Casa Verde, fechando deste modo um ciclo negro que ele próprio iniciou.

“É uma visão deliciosamente caricatural, cómica, crítica e cáustica, que nos suscita diversas possíveis leituras e interpretações. E, por isso, podemos lê-la à luz da realidade presente, apesar de ter sido escrita há quase 150 anos”, defende Victor Ramos, médico de família e dinamizador da sessão. Ao refletir sobre a narrativa, o também presidente da Fundação para a Saúde – SNS (que diz ter apreciado nesta obra o estilo literário, o ritmo, as personagens mas, acima de tudo, o sentido de humor cinzelado por Machado de Assis) nega a ideia de que a Medicina possa ser uma forma de tirania e de que corremos o risco, em pleno século XXI, de enfrentar ainda tal ameaça: “a Medicina é uma ciência relativamente neutra. Os eventuais perigos podem decorrer do comportamento arrogante e prepotente de alguns médicos, enquanto atores sociais alinhados com, ou até protagonistas de, estruturas sociais opressivas e controladoras – tal como os padres e pastores de diversas religiões e muitos, muitos outros atores. E isto tem sido assim desde há muitos milhares de anos, embora com nuances e matizes diversos”.

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