Em declarações à SIC Notícias, o presidente da APMGF, Nuno Jacinto, sublinhou que as novas regras para o registo de utentes no Serviço Nacional de Saúde (SNS), publicadas na última quinta-feira em Diário da República, segundo as quais as famílias com grávidas ou com crianças até dois anos de idade e os doentes crónicos ou com multimorbilidade têm prioridade na atribuição de médico de família (MF), são de certo modo ilusórias, quando os recursos humanos escasseiam: “podemos criar as medidas teóricas que quisermos, mas se não tivermos profissionais, pouco há a fazer. Existem unidades onde não há um único MF e nestes casos é impossível dar prioridade a quem quer que seja, porque não há médicos para observar os doentes. Noutras unidades, verificam-se graves carências, já que falta a maioria dos médicos, seja porque se reformaram, seja porque saíram do sistema ou estão ausentes devido a doença”.
O dirigente relembrou que Portugal tem tido nos últimos anos “uma grande dificuldade em captar e manter no SNS quer os MF que vamos formando anualmente, quer os que já lá estão. Percebemos, também, que a cada concurso lançado as taxas de ocupação de vagas são cada vez mais baixas”. Nuno Jacinto relembrou que os concursos de colocação de especialistas são desadequados à realidade nacional e que a APMGF há muito tempo defende que “todas as vagas que estão disponíveis deviam ser colocadas a concurso, de forma a integrar o maior número de MF no SNS. Ora, o que vemos é que os mapas de vagas ou são desconexos da procura dos colegas – o que resulta em situações como a do último concurso, com menos vagas do que candidatos mas em que acabamos com 40% das vagas não preenchidas – ou então assistimos a vagas abertas de forma dispersa, com a abertura de uma única vaga numa unidade onde eram necessários três ou quatro médicos”. Tudo isto resulta “em cada vez mais MF a abandonarem o SNS. Em vez de termos melhores condições de trabalho, maior atratividade, todas as vagas precisas disponibilizadas a cada concurso, continuamos a selecionar apenas determinadas vagas, sem dar condições para que as mesmas depois sejam preenchidas”.
Em comentário ao compromisso da tutela de que 28 USF farão a mudança para modelo B, durante o primeiro semestre de 2023, Nuno Jacinto esclareceu que embora este seja um sinal positivo e que merece ser saudado, “ao longo de muito tempo vivemos com um tampão na passagem destas unidades ao modelo B. Em alguns anos, não se registou sequer uma única passagem, situação criada artificialmente por questões económicas. Assim, acabou por ser colocado um travão à reforma dos cuidados de saúde primários e na transição para um modelo que já provou ter mais ganhos em saúde, que carece de adaptações no presente mas que naturalmente é mais atrativo para os profissionais”. O presidente da APMGF aproveitou ainda para explicar à opinião pública que o processo de transição para modelo B “é muito burocrático e pode demorar dois, três ou quatro anos” e que existem hoje unidades cujo processo se iniciou há muito tempo e que ainda não o concluíram, “por questões meramente formais e administrativas, sem qualquer relação com a prática clínica diária e os cuidados prestados aos utentes”.