Jornadas de Évora mantêm chama da formação acesa em tempos difíceis

As Jornadas de Medicina Geral e Familiar (MGF) de Évora, organizadas pela Delegação Distrital de Évora da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), são as mais antigas jornadas regionais de MGF a decorrerem de forma contínua e a sua 32ª edição decorreu no Évora Hotel a 9 e 10 de março, com enorme sucesso. Foram mais de 110 os inscritos e viveu-se um espírito indomável de dedicação ao saber e inovação, apesar a época complicada que a especialidade, os cuidados de saúde primários (CSP) e Serviço Nacional de Saúde (SNS) atravessam, facto comprovado pela circunstância de o primeiro dia de trabalhos ter sido também um dia de greve nacional dos médicos.

Nuno Jacinto, presidente da APMGF, recordou na cerimónia de abertura das jornadas que os médicos de família (MF) vivem hoje “com um sentimento de descontentamento” indisfarçável e que “por muito que a MGF seja uma paixão, uma atividade envolvente, existe mais vida para além dela”, sendo como tal importante que seja concedido aos MF o “direito a ter essa vida plena e a condições para trabalhar com dignidade”. Num ano em que a APMGF celebra quatro décadas de vida e a Delegação de Évora trinta e duas jornadas de permanente atualização e convívio, Nuno Jacinto “felicitou a Delegação pela sua vitalidade, mesmo em tempos difíceis, como foram aqueles que vivemos durante a pandemia”, marcados também por uma enorme “falta de valorização e respeito pelos MF e por aquilo que fazem, algo que continua a acontecer hoje em dia. Por isso, continuamos a assistir às dificuldades para captar e reter os jovens MF no SNS, que todos queremos que seja forte e um garante de qualidade para a MGF, sem desprimor nenhum para o sistema privado de saúde”.

No entendimento de Nuno Jacinto, o que a sociedade portuguesa certamente deseja – porque é benéfico para todos os envolvidos – “é contar com MF felizes e realizados”, algo que é cada vez menos comum e que apenas pode ser alcançado “com mudanças na remuneração, mas também com avanços na carreira, maior autonomia para as equipas de saúde e agrupamentos de centros de saúde, mais flexibilidade nos horários, menos burocracia e listas de utentes mais adequadas à realidade, melhores instalações e garantia de acesso a material simples, que falta nas unidades de forma quotidiana”.

Após ouvir relatos de um trajeto diário repleto de «espinhos», que os MF têm de navegar muitas vezes com ferramentas insuficientes e expetativas desajustadas por parte da população, a presidente do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde (ARS) do Alentejo, Maria Filomena Mendes, garantiu que “nunca haverá gestos ou palavras suficientes para agradecer o empenho diário dos MF da região com todos os doentes, com aqueles para quem fazem a diferença”. Em acréscimo, a dirigente da ARS do Alentejo defendeu que para o presente e para o futuro “é importante pensar se, para além das palmas e dos agradecimentos, totalmente merecidos, é possível dar mais aos profissionais. É esse mais sobre o qual é inevitável falar, nos dias que correm, sobre a necessidade de compreender o que é preciso fazermos para que os médicos sintam o devido reconhecimento e valorização”. Maria Filomena Mendes sublinhou que tem existido um grande esforço por parte da ARS em dotar as equipas de melhores instalações e equipamentos nos últimos anos, “um processo fundamental que está em curso”, mas reconheceu que a melhoria das condições físicas de trabalho não chega: “o Ministério está em processo de negociação com os sindicatos para a revisão da carreira. Neste momento, tal como a presidente da Federação Nacional dos Médicos, acredito que as negociações chegarão a bom termo. Estamos, de facto, num ponto decisivo para a construção do nosso futuro, seguramente um futuro melhor para os utentes, para os MF e para as equipas que nas unidades se dedicam de forma excecional, numa base diária”.

Jornadas são um farol de conhecimento que faz cada vez mais sentido

Durante dois dias de intenso trabalho e partilha de ideias, as Jornadas de MGF de Évora ofereceram atualização de qualidade aos seus participantes, em áreas como as urgências na Saúde da Mulher, desafios indiretos da MGF (ou seja, as implicações do crescente número de contactos indiretos com os utentes), doença arterial, deficit cognitivo ligeiro (comportamentos e impulsos), ortopedia infantil e mobilidade dinâmica, por exemplo.

De acordo com Maria Helena Gonçalves, delegada distrital da APMGF em Évora, tal só é possível, numa fase tão delicada para os MF e para os CSP portugueses, “face à grande resiliência de todos os envolvidos”. A dirigente recorda que ”este evento traz sempre a Évora muitos profissionais de toda região e que é comum os colegas reencontrarem-se, anualmente, nos corredores, o que demonstra que estas pessoas estão permanentemente interessadas em refazer o seu conhecimento e encontrar, de novo, colegas que trabalham em outras partes do Alentejo, transformando assim a iniciativa também num interessante momento de convívio”.

Para a delegada distrital da APMGF em Évora, os MF enfrentam no presente uma nova realidade laboral pós-pandemia, construída de solicitações ortodoxas, mas também de novas exigências não convencionais, muitas delas relacionadas com as mais recentes formas de interação com os utentes e de prestação de cuidados à distância, um cenário que retira muito tempo útil aos profissionais, mas que não pode justificar o sacrifício da formação contínua ou o enfraquecimento gradual das Jornadas de Évora: “tudo se faz, desde que se encontre um bom equilíbrio. Perante as novas realidades, temos de olhar para elas, ponderá-las e encontrar estratégias para as enquadrar. Resumindo, tem de existir tempo para tudo na nossa vida e também para a formação. Tendo estas jornadas o impacto que lhes é reconhecido a nível regional, parece-me irracional pensar que deixarão de ter a adesão do passado, até porque vemos que as pessoas continuam a vir (com particular presença dos colegas mais jovens), a mostrarem-se interessadas nos temas que lhes propomos. Não me restam dúvidas de que continuaremos a ser, enquanto jornadas, uma mais-valia no futuro”.

É importante ainda referir que a organização das 32ªs Jornadas de Évora decidiu distinguir os melhores trabalhos científicos apresentados no evento. Assim, o prémio para melhor comunicação oral foi entregue à revisão de tema «Automedicação: um problema de saúde pública ou uma ferramenta de empoderamento?», da autoria de Teresa Leitão, José Silva, Rita Branco Vargas, Inês Roma e Catarina Afonso (USF Planície) e o prémio para melhor poster ao relato de caso «Muito mais do que um indicador – A importância de recorrer (também) ao SCORE 2», de Rita Branco Vargas, Teresa Leitão, Cátia Silva Santos, Catarina Madeira Afonso (todas da USF Planície) e João Fonseca Machado (USF Eborae).

Delegação de Évora da APMGF terá nova sede a breve trecho

Pese embora os enormes desafios que a APMGF e os seus associados enfrentam a nível nacional e também na região de Évora, nem tudo são más notícias. No arranque destas jornadas, Nuno Jacinto anunciou que os MF alentejanos vão ter um novo ponto de encontro para se reunirem e cooperarem em projetos: “se tudo correr bem, a Delegação Distrital de Évora terá uma nova sede, que esperamos inaugurar a 19 de maio de 2023, Dia Mundial do MF. Este será um espaço que pretendemos que seja utilizado por todos os colegas para se reunirem, trabalharem em conjunto, conviverem uns com os outros e fazerem crescer a especialidade”.

 

Leia Também

José Mendes Nunes – “A admiração pelo que é novo leva-nos a ignorar o que é antigo”

Participe na Conversa sobre Investigação agendada para o dia 17 de setembro!

Grupo de Estudos de Hematologia disponibiliza «Guia Prático de Hematologia nos CSP» – edição 2024

Recentes