Quando a Medicina toca a magia do real

A sessão suplementar do Clube de Leitura APMGF, agendada para 31 de março (a partir das 18h15), será especial por três motivos distintos. Em primeiro lugar, porque decorrerá ao vivo, no espaço do 40º Encontro Nacional de MGF, em Vilamoura. Por outro lado, porque contará com a presença física do autor da obra a analisar, «Venenos de Deus, Remédios do Diabo», o escritor moçambicano Mia Couto. Por último, porque esta será uma sessão aberta, na qual poderão participar não apenas os membros do Clube de Leitura APMGF que estiveram presentes nas anteriores sessões do ciclo de conversas literárias, mas igualmente todos os inscritos no 40º Encontro Nacional de MGF que desejem dialogar com o escritor e com o médico dinamizador da sessão, José Mendes Nunes

«Venenos de Deus, Remédios do Diabo», romance editado originalmente em 2008, é uma obra que se assume enigmática e reveladora, ao mesmo tempo, imergindo a personagem central – um jovem médico português – nas brumas, segredos e histórias fantásticas de Vila Cacimba (localidade para onde se desloca em busca de um amor espectral), enquanto lhe ensina que há mais na vida para além das certezas consensualizadas da grande Academia e dos centros de saber clínico. Embora não seja um dos livros mais conhecidos de Mia Couto (que além de romancista é ainda um reconhecido cronista, poeta e autor de literatura infantil), «Venenos de Deus, Remédios do Diabo» é de particular interesse para todos os profissionais formados sob os cânones da Medicina dita convencional e de base científica, por os aproximar de uma importante evidência: cuidar bem e com eficácia significa, antes de mais, respeitar e integrar nesses cuidados as crenças, expectativas e motivações de quem é cuidado.

Segundo o próprio Mia Couto, “todo o médico trabalha no domínio da ciência, mas também naquilo que escapa ao exame objetivo. É fundamental que ele tome noção da pessoa que está à sua frente que não pode ser reduzida a um paciente com uma «história clínica»”. O escritor, que é também biólogo, reconhece ser “alguém que vive uma realidade humana e cultural bem particular em que as perceções sobre a saúde e a doença são inspiradas num diferente sistema de saber”, contexto que terá certamente moldado o processo de criação de «Venenos de Deus, Remédios do Diabo».

O médico dinamizador da sessão, José Mendes Nunes, garante que a sua relação pessoal com as palavras de Mia Couto é marcada por grande afinidade, que tem crescido sem parar: “desde há muitos anos que me maravilho com a leitura das obras de Mia Couto. Com frequência o citei nas minhas aulas, nomeadamente a sua obra «Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra», onde aborda os silêncios na relação terapêutica – O médico escutou tudo isto, sem me interromper. E a mim, essa escuta que ele me ofereceu quase me curou. Então, eu disse: já estou tratado, só com o tempo que me cedeu, doutor. É isso que, em minha vida, me tem escasseado: me oferecerem escuta, orelhas postas em minhas confissões. Olhem que lema mais adequado para um Médico de Família! Orelhas postas nas confissões dos doentes”.

José Mendes Nunes está convicto de que “na obra de Mia Couto está presente a perturbação mental, mas de uma forma que a normaliza e integra na sociedade. O doente mental é livre e tratado como alguém que tem, simplesmente, uma maneira diferente de ver o Mundo. Talvez esta sensibilidade para o «doente» mental tenha que ver com o seu interesse pela Psiquiatria, quando jovem. Mia Couto estudou Medicina, creio que até ao 2º ano, pensando em especializar-se na Psiquiatria. Depois «curou-se» e seguiu outros caminhos – o Jornalismo e a Biologia”.

Já no que concerne à obra específica do escritor moçambicano que será alvo de debate em Vilamoura, o médico dinamizador sublinha uma das forças motrizes que anima este romance, a capacidade de expor quão complexa é a realidade com que nos deparamos: “no «Venenos de Deus, Remédios do Diabo» está em evidência a família com os seus mitos e tabus. Cada um com a sua narrativa diferente sobre a mesma família. A história tem verdades, mentiras, meias-verdades ou meias-mentiras. Nesta sessão do Clube de Leitura, anseio por cruzar a minha perspetiva com a de outros leitores”.

Pode consultar documentação sobre a obra e o autor (biografia, bibliografia, trabalhos académicos, links para entrevistas e palestras, etc.) aqui.

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