Personalidades de relevo na MGF internacional ajudam APMGF a celebrar 40 anos no Encontro Nacional

O segundo dia do 40º Encontro Nacional de Medicina Geral e Familiar teve, entre outros pontos de interesse, o facto de trazer ao Algarve figuras de enorme prestígio da nossa especialidade no plano internacional. A começar por Iona Heath, médica de família britânica e ex-presidente do Royal College of General Practitioners do Reino Unido, que na sua conferência inaugural intitulada «O ofício da Medicina Geral e Familiar» defendeu que a especialidade está a perder, de forma gradual, a consciência de que grande parte do seu poder terapêutico está na capacidade de estar próximo dos doentes, de os tocar e humanizar o processo de tratamento: “a nossa arte é ameaçada à medida que a prestação de cuidados de saúde se torna crescentemente utilitária na sua filosofia de base, obcecada com fatores de risco e longevidade. Médicos e doentes tornam-se dispositivos intercambiáveis dentro de um complexo médico-industrial, que lucra de modo fabuloso com interações clínicas transacionáveis e minimiza sistematicamente a importância de cuidados baseados na relação face a face”. Sobre o fascínio do uso de novas tecnologias nos cuidados primários e na MGF, Iona Heath recordou que os sistemas de informação, a robótica, os meios de diagnóstico e tratamento à distância e a inteligência artificial podem ser entusiasmantes, mas carecem de um elemento indispensável: “as corporações e as máquinas que tencionam substituir os médicos de família nunca estarão vinculadas aos doentes e às comunidades com um afeto que se traduz em bons cuidados”.

Também o médico de família israelita Shlomo Vinker, presidente da WONCA Europa, se deslocou a Vilamoura para numa sessão dedicada à projeção da Conferência Mundial da WONCA em 2025, que se realizará em Lisboa, reforçar junto dos colegas portugueses que aquele evento trará uma oportunidade única de os profissionais de saúde portugueses trocarem experiências com colegas de todo o mundo e ganharem competências acrescidas para a sua prática diária nas unidades de saúde. “Lisboa é uma cidade muito atrativa para os colegas de todos os continentes (América do Sul, Europa, Ásia, etc.), o que significa que esperamos uma conferência muito participada e muitas ideias válidas com origem em todo o globo”, admite Shlomo Vinker.

Destaque ainda para as mensagens deixadas pelo presidente da APMGF na cerimónia de abertura do evento, durante a qual alertou de novo para o enorme sacrifício que os médicos de família fizeram durante os tempos mais delicados da pandemia e que ficou sem recompensa, uma vez que a especialidade tem sido vítima de sucessivas afrontas e adversidades, a começar pela proposta da tutela de entregar listas de utentes nos centros de saúde a médicos não especialistas e a acabar nas conhecidas e cada vez mais comuns lacunas de materiais e equipamentos básicos nas unidades. “É importante darmos valor e acarinharmos os médicos de família. Ouvimos, não há muito tempo, que um médico é um médico, ao que respondemos que nem todos os médicos são médicos de família. E por isso mesmo, no último ano a APMGF viu-se forçada, para defender a nossa especialidade de um ataque no mínimo inusitado, a organizar um protesto de rua, já que pretendiam colocar como responsáveis por listas de utentes médicos sem a nossa especialidade (…) A medida foi retirada, mas o problema de fundo permanece. Temos cada vez menos médicos de família no SNS, cada vez mais utentes sem acesso a um médico de família, não porque não tenhamos especialistas em número suficiente em Portugal ou não estejamos a formar internos, mas sobretudo porque não conseguimos reter os colegas no SNS, a começar logo pelos recém-especialistas”.

Nuno Jacinto acrescentou que num ano muito especial, em que a APMGF celebra 40 anos, cabe a esta instituição “honrar o seu passado, comemorar o seu presente e sonhar com aquilo que pode ser o seu futuro”, assumindo ainda como missão “pensar, unir e evoluir num espaço que é de todos e onde todos são importantes, no qual as coisas nascem de baixo para cima, à imagem da reforma dos CSP”. A Associação continua, pois, empenhada em refletir sobre a realidade da saúde e dos CSP no nosso país, o que a leva a lançar no próximo dia 27 de maio – data dos 40 anos da fundação da APMGF – o documento «Um novo futuro», sucessor que se deseja digno para o Livro Azul publicado pela APMGF em 1990.

A secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares, assegurou ter ouvido os recados exigentes do dirigente associativo proferidos nesta iniciativa, contudo salientou que é complicado fazer melhor num contexto tão árduo: “é muito difícil conseguirmos fazer-nos respeitar ou sentir-nos respeitados com tantos atropelos, tanta modificação e tantas coisas que foram postas em causa nos últimos anos. É um desafio grande para todos nós, governantes, porque temos a obrigação de garantir as condições que todos os médicos reclamam”. Margarida Tavares frisou que o SNS só poderá ser preservado se “os profissionais estiverem do lado de dentro, a lutar por ele e a defendê-lo, já que ele precisa de defesa neste momento”. A governante apelou ainda aos médicos de família que se juntem a uma causa pela qual se bate: “temos de aprofundar o caminho que nos leva à promoção da saúde nos serviços, torná-lo mais concreto, estruturado e palpável. Se não conseguirmos prevenir a doença e promover a saúde estaremos em apuros, porque não há nenhum sistema de saúde que vá aguentar em simultâneo os avanços tecnológicos, a inovação e as pressões geradas no sistema pelo envelhecimento populacional, que é em si mesmo desejável, mas apenas se for saudável. Por isso, desafio-os a implementarem comigo esta agenda para a promoção da saúde nos CSP”.

 

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