Num dia em que a CNN Portugal procurou fazer um retrato do sistema de saúde português, do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e das suas atuais debilidades, o presidente da APMGF, Nuno Jacinto, garantiu àquela estação televisiva (assista aqui à entrevista) que, de facto, um dos principais problemas que reduz a eficiência e cobertura do SNS é a ausência de médicos de família (MF) em número suficiente: “neste momento, existem cerca de um milhão e seiscentos mil utentes sem MF atribuído e verifica-se uma notória dificuldade em captar e atrair os MF para o SNS. Temos mais profissionais a sair – seja porque estamos a viver um pico de reformas, seja porque as condições são piores e os médicos acabam por sair – e enfrentamos muita dificuldade em captar os mais jovens colegas, aqueles que se tornam MF, no sentido de permanecerem no SNS. Este saldo negativo faz com que, mês após mês, ano após ano, tenhamos cada vez mais utentes sem MF atribuído (…) Sendo o MF a porta de entrada no SNS, ter tal porta mais dificultada, ou vedada, é algo que causa grandes problemas aos nossos utentes”.
O dirigente associativo explicou ainda que no seu entendimento a tutela não tem feito o suficiente para inverter o ciclo de crescente população a descoberto: “o trabalho dos MF ao longo das últimas décadas (e sobretudo durante a pandemia e período pós-pandemia) tem sido muito pouco valorizado e respeitado. Não têm surgido medidas concretas que estimulem os colegas e lhes indiquem que o panorama vai mudar e que o SNS vai ser atrativo. Há que reconhecer que foram tomadas algumas decisões que parecem apontar no sentido certo, nomeadamente a circunstância de o concurso para a colocação de MF ter, pela primeira vez, todas as vagas disponíveis para os colegas que concorrem, assim como outras boas ideias, mas não existe nada de muito concreto. Defendemos, aliás, desde há muito que tem de ser mudado este paradigma, atacadas as dificuldades que afetam o trabalho dos MF (desde a remuneração, à carreira, autonomia e flexibilidade de horários, condições em termos de instalações e equipamentos), para que o SNS tenha novamente a capacidade de atrair MF e consigamos que os colegas que são formados em Portugal (cerca de 500 por ano) fiquem no SNS e possam dar uma resposta que é tão necessária”.
Para Nuno Jacinto, o grande défice do SNS, que o impede em muitos locais do país de providenciar os cuidados de qualidade que os cidadãos merecem, pode ser identificado ao nível dos recursos humanos, carências que vão muito além da falta de MF: “nos CSP, onde eu trabalho, faltam em muitos locais enfermeiros, assistentes técnicos, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas. Este é o grande problema do SNS neste momento, a capacidade de tratar bem os seus profissionais, de lhes dar condições adequadas e de permitir que estes, em equipa, façam o trabalho de que os nossos utentes precisam”.
No mesmo canal televisivo, o presidente do Colégio da Especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF) da Ordem dos Médicos (OM), Paulo Santos, ressalvou a importância de a sociedade portuguesa e dos poderes instituídos, nesta fase em que estão disponíveis verbas europeias para investir no SNS e para a recuperação do setor da saúde, priorizarem o que é urgente em termos de investimentos e não se deixarem enredar pelo fascínio das divisas: “fala-se muito na questão orçamental e nos milhões e biliões que vêm para a Saúde. Mais do que contar os milhões, queremos saber como vão ser aplicados, quais são os projetos concretos e de que forma estes projetos conseguem responder em primeiro lugar às necessidades das pessoas, mas também ao conforto dos profissionais, porque só com profissionais satisfeitos é que vamos conseguir ter serviços de qualidade”.