Mulher de palavra… mágica

Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser”.

Voz maior das nossas letras e exemplo de cidadania ativa (foi deputada à Assembleia da República e envolveu-se em várias causas, desde a libertação de presos políticos à independência de Timor-Leste), Sophia de Mello Breyner Andresen bebeu a voz da promessa e cumpriu a palavra em todo o seu ser. Reverenciada sobretudo enquanto poeta e autora de obras para crianças, são todavia as suas duas coletâneas de contos não inscritas no registo de literatura infantojuvenil que vão estar em evidência na próxima sessão do Clube de Leitura APMGF, agendada para 15 de novembro, pelas 21h00 e que terá como médica dinamizadora Cecília Shinn. A participação no Clube de Leitura está sujeita a inscrição prévia, é gratuita para os sócios da APMGF e tem um custo de 35 euros para não sócios (valor que permite participar no ciclo integral). No final do ciclo, todos os participantes do Clube de Leitura que tenham assistido às sessões em direto receberão um diploma de participação entregue pela APMGF.

«Contos Exemplares» e «Histórias da Terra e do Mar», publicados respetivamente em 1962 e 1984, representam instantes singulares no percurso da vencedora do Prémio Camões em 1999. Embora mantenha muita da simplicidade estrutural da linguagem empregue nos contos infantis e uma dinâmica antes de mais descritiva, esta prosa lança-se sobre temáticas de grande relevância social, é crítica e mordaz perante tradições funestas da sociedade portuguesa, rica em ironia e sarcasmo em determinados momentos e abundante em simbolismos, com sentimentos e envolvências a assumirem quase o papel de personagens em si mesmas (aqui merecem ênfase a natureza, o amor, a família, o silêncio ou a solidão).

A escolha de Sophia de Mello Breyner Andresen foi feita por Cecília Shinn com uma vontade expressa em mente: “procurava uma referência feminina para este Clube de Leitura, porque até agora temo-nos focado apenas na realidade masculina. As obras de Sophia de Mello Breyner Andresen são um contributo importante para a história de Portugal e para a história da literatura. São uma casa com as portas abertas, com palavras, textos e versos aparentemente descritivos e potencialmente mais superficiais, mas ao mesmo tempo intensamente profundos, com significados mais ocultos e perante os quais é necessário parar, refletir, sentir e integrar. A poesia da Sophia é uma forma de viver a vida, de estar intensamente em cada momento. Como a leitura das suas obras poéticas exige tempo e contextualização, optei pela leitura, para este Clube, de dois livros de contos. Porquê estes? Porque foram os primeiros que encontrei na livraria ao pé da minha casa, onde costumo entrar só por entrar, para cheirar os livros e o ambiente, e sonhar com novos caminhos. E foram uma janela preciosa para a forma de escrever e viver da Sophia”.

Cecília Shinn defende que estes são “contos baseados na realidade e na fantasia, uma mistura aparentemente simples da descrição do real e da magia” e confessa que foi tocada de uma forma mais intensa por três personagens, a lavadora de loiça Joana, no conto «O Silêncio», que corporiza “a eterna procura pela (e necessidade de) tranquilidade e a rudez e violência da vida”, bem como o casal que em «A Viagem» se perde na “procura da perfeição e constante insatisfação com o Agora”.

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