Convidado a avaliar no programa «Expresso da Meia-Noite», da SIC Notícias, os detalhes do Plano de Emergência e Transformação da Saúde (PETS) apresentado esta semana pelo executivo, bem como o real impacto que este poderá ter sobre os cuidados de saúde primários (CSP) em Portugal, o presidente da APMGF afirmou que “é bom ver a Saúde Familiar como uma das prioridades” do PETS e que o enquadramento do plano chega mesmo a propor “valorizar os profissionais”. Contudo, Nuno Jacinto recordou que “tal não se faz sem médicos de família (MF). Temos hoje uma falta de aproximadamente mil MF no SNS e é positivo que se continue a colocar todas as vagas a concurso (…) mas se queremos preencher essas vagas nos próximos anos temos de apostar nos MF, não há volta a dar a isto”. O dirigente associativo explanou, aliás, quais as medidas que no seu entender devem ser concretizadas a curto e médio prazo para atrair e fixar MF no SNS: “notamos uma ausência de medidas para captar e reter os profissionais no SNS, algo que não passa apenas pelo dinheiro (…) Temos de apostar em várias frentes, sendo a questão salarial apenas uma delas. Muitas vezes andamos entre o oito e o oitenta, ou temos vergonha de falar disto ou só falamos de salários. É, de facto, preciso que exista uma remuneração base digna, com suplementos ajustados quando necessário. Mas isto não chega (…) o que atrai os profissionais para ficar no SNS é igualmente a existência de uma carreira médica verdadeira, baseada no mérito, com progressão rápida e diferenciação entre graus, algo que não existe no presente. Deve também haver uma autonomia concedida às equipas relativamente àquilo que podem oferecer às suas populações e uma flexibilidade de horários”.
O presidente da APMGF deixou também um reparo no que respeita à preferência do executivo por resolver problemas com base em suplementos e incentivos: “os incentivos não são suficientes e têm sempre um teto. Por muito que as pessoas até considerem que podem trabalhar mais, existe sempre um limite que teremos de enfrentar e portanto apostar somente em incentivos e horas extra não vai assegurar a cobertura desejada. O que é possível e desejável é ir buscar mais profissionais e mais recursos para prestar estes serviços. Mas atenção que estou aqui a falar de MF e esta é a nossa grande preocupação, até porque em muitos locais do plano o que se lê é que quando não for possível atribuir um MF haverá um médico assistente. Ora ter um médico assistente que não é especialista em Medicina Geral e Familiar não é a mesma coisa. Isto está provado, o que salva vidas nos CSP é a presença de especialistas em MGF! Tal e qual como nós não queremos um MF a fazer partos, também não queremos outro médico a fazer o papel do MF”.
Nuno Jacinto frisou, ainda, que embora o plano de forma insistente aluda à necessidade de esgotar as capacidades no interior do SNS, antes de se partir para soluções de parceria ou complementaridade, “nos CSP e na maioria das unidades tal capacidade já está esgotada. Não temos MF parados, a olhar para as paredes, à espera que entrem doentes. Se houvesse capacidade para vigiar mais crianças, grávidas ou idosos, já estariam a ser vigiados”.
Já a propósito do objetivo delineado no plano de retirar pressão dos serviços de urgência, o presidente da APMGF sublinhou que o mesmo será mais rapidamente alcançado se a tutela der condições adequadas de trabalho e organização à MGF e aos CSP: “é o MF que sabe gerir melhor, no contexto dos CSP, as situações de doença aguda e que sabe orientar o doente para a urgência – quando o deve fazer – que sabe quando tem de pedir exames e que apenas os pede quando são necessários. Aliás, no plano refere-se que é preciso diminuir nas urgências o recurso a colegas sem especialidade, porque a qualidade do atendimento e a capacidade de gerir estas situações nos serviços de urgência é melhor por parte de quem tem formação específica. Por que motivo nos CSP não deve valer o mesmo princípio? Porque resiste esta ideia de que podemos substituir o MF por outro profissional qualquer?”.