Entre os dias 7 e 10 de junho de 2023 tive o privilégio de participar no 28º Congresso Europeu de Medicina Geral e Familiar (28th WONCA Europe Conference 2023), realizado em Bruxelas. Este evento, que reúne profissionais de todo o Mundo, contou este ano com mais de dois mil participantes de 75 países diferentes, reunidos sob o grande tema “Making choices in primary care”. Durante os quatro dias de congresso, tive oportunidade de vivenciar um ambiente enriquecedor, de grande partilha de experiências e discussão de ideias, ficando mais ciente das semelhanças e diferenças na prática da MGF pelo mundo, quer em termos de prática clínica como de investigação nos cuidados de saúde primários.
Os grandes temas das sessões incluíram áreas que têm vindo a ganhar destaque nos últimos anos como a sustentabilidade nos cuidados de saúde; a importância do contexto social dos indivíduos, com destaque para as populações vulneráveis; e o papel crescente das ferramentas digitais. Muitos dos temas, decorrendo do mote do congresso deste ano, focaram-se na prevenção, diagnóstico e decisão partilhada com o utente.
Acerca do tema “Prevenção” partilhei no congresso um póster relacionado com a vacinação em doentes com DPOC, um estudo transversal que alerta para a importância do cumprimento das guidelines nacionais e internacionais, relacionadas com a vacinação destes doentes, com especial foco na vacinação antipneumocócica.
Integrado no tema “Diagnóstico”, tive a oportunidade de apresentar um protocolo elaborado em conjunto com colegas da minha unidade de saúde familiar, que pretende melhorar a abordagem aos utentes na sequência de um contacto sexual desprotegido. Sabendo que um rastreio inicial negativo não garante a ausência de uma infeção sexualmente transmissível, este protocolo equaciona o tempo decorrido desde o contacto e os sintomas apresentados, clarificando a necessidade de reavaliação, de eventuais exames complementares e o momento mais adequado para os realizar. Esta ferramenta tem sido reconhecida como uma mais-valia na prática clínica e esperamos que contribua para melhorar o seguimento destes casos, combatendo este problema de saúde pública que nos desafia há tantas décadas. Sendo este um tema frequente, de forma transversal nas consultas de cuidados de saúde primários em todo o mundo, suscitou uma partilha muito profícua entre os colegas presentes, que realizaram várias questões acerca da criação e implementação do protocolo, procurando compreender de que forma o poderiam aplicar na sua prática. Foram também recebidas sugestões muito pertinentes de estratégias que podemos adotar para tornar este processo uma ferramenta de educação para a saúde dos utentes.
Por fim, tive também a oportunidade de divulgar um caso clínico de um doente com Parkinson, com uma disfunção autonómica cardiovascular importante, em que o papel do médico de família foi central para integrar o contexto do doente e fomentar a adoção de medidas não farmacológicas no quotidiano, de forma a melhorar a sua qualidade de vida e a sua vivência em família. Este caso elicitou também várias partilhas e questões, uma vez que deu destaque aos sintomas não-motores da doença de Parkinson, aspeto nem sempre suficientemente valorizado na abordagem destes doentes.
Por fim, da minha participação nas várias Lectures e Keynotes, gostava de destacar a Keynote do último dia, da Drª France Légaré, médica de família Canadiana, que tem vindo a desenvolver um trabalho muito importante na área dos processos de decisão partilhada com o utente. Nesta sessão, destacou mais uma vez a importância de integrar os valores e preferências de cada indivíduo na tomada de decisões; partilhou com a audiência várias ferramentas de apoio à decisão já disponíveis, mas que necessitam de validação e adaptação cultural para cada país; e deixou ainda a nota de que estas ferramentas não promovem uma sobreutilização dos recursos, pelo contrário, têm-se mostrado uma forma de utilização racional dos recursos.
Termino dando nota e felicitando a forte presença de colegas portugueses no evento, o que demonstra interesse crescente pela investigação nos cuidados de saúde primários em Portugal.
Concluo a minha participação na WONCA, nesta que foi a minha primeira presença num congresso internacional, com a certeza de que são eventos como este que nos permitem expandir horizontes, encontrar novas áreas de interesse e desafios para os próximos anos, bem como ficar alerta para temas emergentes. É esta partilha que nos permite em simultâneo caminharmos para o objetivo último de melhorarmos todos os dias enquanto médicos de família.
Mariana Braga (Médica Interna de Medicina Geral e Familiar | USF Delta, ACeS Lisboa Ocidental e Oeiras)