Encontro-me neste momento no meu 4º ano de formação especializada em Medicina Geral e Familiar, na USF Horizonte, em Matosinhos, e foi a primeira vez que participei num evento internacional. Participar na WONCA Europe 2023 foi não só uma experiência formativa extremamente enriquecedora, mas também um momento de crescimento pessoal, social e cultural.
Uma experiência social
A Pré-Conferência EYFDM foi um ótimo momento de partilha de experiências entre jovens médicos de família de vários países europeus, comparando realidades, dificuldades e abordagens, que nos fazem pensar naquilo que fazemos de tão bem e naquilo que podemos melhorar. O lema “You can’t always get what you want” dominou todo o evento, não só na vertente de que a Medicina e os Cuidados de Saúde Primários em particular estão a passar por muitas dificuldades (financiamento, reconhecimento, sobrecarga, falta de recursos – dificuldades que não se restringem ao nosso país), mas também numa abordagem do utente e dos seus problemas como uma negociação entre os intervenientes, abandonando assim a Medicina paternalista. Este lema é algo que considero importante de interiorizarmos nesta fase precoce das nossas carreiras, numa medida de prevenção quinquenária que evite o nosso burnout futuro. Ainda assim, o facto de aceitarmos que nem sempre podemos ter o que queremos, não nos deve desmotivar e desmoralizar para a luta por aquilo que cremos ser o melhor para nós e para os nossos utentes, principalmente procurando condições de trabalho dignas, um equilíbrio vida pessoal-vida laboral saudável e a prestação dos melhores cuidados possíveis aos nossos utentes.
Na Conferência, além dos momentos formativos puros (Key-Notes, Lectures e Workshops), foram inúmeras as sessões de apresentações de trabalhos sobre os mais variados assuntos. Estas sessões foram para mim um importante momento de reflexão sobre a formação médica pós-graduada, uma vez que me deu a clara noção de que Portugal teve uma representação completamente desproporcional aos restantes países e de uma faixa etária muito mais jovem. Do que foi discutido não só entre participantes mas também com os moderadores das várias sessões (uma vez que essa “invasão” portuguesa não passou despercebida – éramos o 3º país com maior representatividade de participantes em número absoluto), ficou claro que, por um lado, temos um apoio à formação inigualável na Europa, podendo usufruir de comissão gratuita de serviço (a maioria dos participantes de outras nacionalidades teve de usar dias de férias para frequentar o evento em horário laboral) e, por outro lado, temos uma exigência curricular ímpar, valorizando incomparavelmente mais a realização de trabalhos e a sua divulgação internacional (com todos os aspetos positivos e negativos a isto associados).
Uma experiência cultural
No âmbito de ambos os eventos, foram vários os momentos de partilha de experiências culturais entre elementos de várias origens a nível europeu, no que toca à prática da Medicina Geral e Familiar ou, por exemplo, às populações com necessidades particulares (ex: migrantes, população LGBTQIA+, utentes vulneráveis). Adicionalmente, tive a possibilidade de realizar uma practice visit, tendo tido a possibilidade de conhecer mais de perto a realidade de atuação dos médicos de família na Bélgica, particularmente em Bruxelas, não só a nível organizacional das atividades e distribuição de tarefas entre os vários profissionais, mas também nos serviços disponibilizados e no acesso aos mesmos, e na remuneração associada aos cuidados prestados que, na minha opinião, é o que mais diverge das práticas em Portugal. Tal como nas nossas Unidades de Saúde Familiar, as Maisons Médicales procuram uma abordagem multidisciplinar dos utentes, envolvendo médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos, mas com maior disponibilidade de profissionais por número de utentes servidos do que no nosso país. Por outro lado, a Garde Brusseloise funciona de forma semelhante ao nosso Serviço de Atendimento Complementar para situações de doença aguda, com a particularidade de que funciona durante toda a noite, fim de semana e feriados, e presta não só cuidados presenciais nas unidades, mas também cuidados telefónicos e cuidados ao domicílio. Esta partilha de práticas e conhecimentos torna-se um elemento fulcral de aprendizagem para todos, uma vez que podemos tirar lições do que funciona e do que não funciona, e procurar sempre melhorar a nossa prática clínica.
Uma experiência formativa
Como não podia deixar de ser, quer a Pré-Conferência quer a Conferência WONCA Europe 2023 proporcionaram excelentes momentos de partilha de conhecimentos científicos e de práticas. Diariamente, existiam até 12 sessões a ocorrer simultaneamente nos diferentes horários, o que fez com que a maior dificuldade fosse escolher o que deixar de fora. Mas estes conhecimentos estão acessíveis a todos, não vos vou ensinar nada de novo!