Entre os dias 18 e 21 de abril tive o prazer de participar no LOVAH Pre-Conference Exchange, nos Países Baixos. O intercâmbio foi divulgado pela APMGF e promovido pela European Young Family Doctors Movement (EYFDM), também conhecida como Movimento Vasco da Gama (VdGM) e a LOVAH (Associação dos Médicos Internos de MGF dos Países Baixos). Foram várias as experiências que nos foram proporcionadas durante estes dias.
Pude observar de perto a prática clínica de um médico especialista, sendo notórias as diferenças entre o sistema de saúde holandês e o português. A população holandesa não dispõe de um serviço de saúde gratuito, pelo que se torna obrigatório ter um seguro de saúde para ter acesso a cuidados de saúde. As clínicas onde se exerce Medicina Geral e Familiar têm uma gestão e organização próprias e, tal como em Portugal, os médicos têm a sua lista de utentes, que deverão ter morada a uma distância máxima de 15 minutos de carro em relação à clínica onde são assistidos.
Na clínica que me destinaram, em Haia, o dia começava com consultas telefónicas durante uma hora, seguindo-se consultas presenciais e domicílios. O Médico de Família holandês vê os seus pacientes quando há uma queixa, não sendo realizadas consultas de rotina ou de prevenção. Também não são feitas consultas de saúde materna, planeamento familiar ou saúde infantil e juvenil. Por outro lado, a realização de pequenos atos cirúrgicos/dermatológicos está a cargo do Médico de Família, que tem a possibilidade de enviar posteriormente as amostras para a Anatomia Patológica. As doenças crónicas que estamos habituados a vigiar em Portugal, como é o caso da DPOC, hipertensão arterial ou diabetes, são seguidas através de consultas realizadas por enfermeiros especializados nestas áreas e o médico intervém apenas a pedido de colaboração por parte da enfermagem.
Outra distinção notória é a existência do cargo “doctor’s assistant”, a quem compete não só o trabalho administrativo, mas também algumas tarefas especializadas como administração de vacinas ou terapêuticas injetáveis, colheitas de sangue e realização de exames complementares de diagnóstico como ECG e espirometrias, para posterior avaliação médica. Fica também a seu cargo a renovação de prescrição crónica habitual dos utentes, validada informaticamente com um simples clique pelo médico de família.
Relativamente a outros exames complementares de diagnóstico que possam ser necessários solicitar, o utente é orientado para o hospital de referência para a sua realização ou, nalguns casos, para consulta hospitalar. Nessas situações, o médico de família obtém posteriormente os relatórios através do sistema informático, devidamente interligado entre os Cuidados de Saúde Primários e Cuidados de Saúde Secundários.
Foi extremamente interessante ficar a conhecer esta realidade, a qual me fez refletir acerca de aspetos que poderiam ser alterados no nosso sistema, nomeadamente no que diz respeito à diminuição de carga burocrática para o médico. Por outro lado, aprecio o modelo de Medicina Geral e Familiar que praticamos, integrando o doente de uma forma mais holística, abordando a prevenção e vigilância, que julgo serem ferramentas muito importantes que possuímos enquanto Médicos de Família em Portugal.
Durante estes dias, fui recebida em casa de uma Médica Interna holandesa, tendo sido uma excelente oportunidade para melhor compreender os costumes da população holandesa em primeira mão, partilhar vivências e conhecer a forma como é organizado o Internato Médico em cada um dos países.
No dia 20 de abril, todos os participantes do intercâmbio encontraram-se em Amesterdão. Fomos conhecer a Fundação Kruispost, local onde são prestados cuidados médicos a pessoas que não conseguem aceder aos mesmos através da via regulamentada, por exemplo, pessoas em situação de sem-abrigo, sem seguro de saúde, imigrantes sem documentação, etc. e onde todos os profissionais de saúde (exceto a coordenadora) trabalham de forma voluntária. Noutro local, seguiram-se palestras verdadeiramente inspiradoras acerca da eutanásia e de cuidados paliativos, bem como um debate acerca da forma como cada país, por nós ali representado, encara estas problemáticas e a forma como tem estes serviços organizados.
O intercâmbio terminou com um dia de congresso, o 14th Lovah Congress, em Den Bosch, onde foi possível assistir a duas sessões plenárias com sistema de tradução e diversos workshops em inglês. Abordaram-se temas pertinentes, atuais e até algo incomuns, como tráfico humano, doenças infeciosas comuns nas comunidades migrantes, medicina sustentável, arte e reflexões acerca de identidade de género.
Foi uma experiência verdadeiramente enriquecedora, tanto a nível cultural e pessoal, como a nível profissional, com uma vertente prática e técnico-científica. Acredito que a oportunidade de fazer um intercâmbio no estrangeiro será sempre uma mais-valia para um Médico Interno e, como tal, sinto-me grata e privilegiada por ter vivenciado este programa único. Conhecer a prática da Medicina Geral e Familiar noutro país e a troca de experiências e opiniões entre colegas de diferentes nacionalidades trará sempre reflexões acerca de aspetos mais positivos e mais negativos em cada uma das realidades. Consequentemente, com estas reflexões e análise crítica, poderemos implementar na nossa realidade o que de bom trazemos de outras e esperar deixar aquilo que de bom nós temos!