Programa Hippokrates Exchange na Dinamarca – Relato de Alexandra Ramos Rodrigues

O programa Hippokrates Exchange pertence ao Movimento Vasco da Gama e é dirigido a médicos internos de formação específica ou médicos especialistas de Medicina Geral e Familiar (MGF) nos primeiros cinco anos de atividade. Consiste na realização de estágios observacionais com duração de duas semanas em qualquer país europeu. Trata-se de uma oportunidade para conhecer a organização dos cuidados de saúde primários e integrar uma realidade diferente da nossa.

O meu intercâmbio foi realizado num país nórdico, na segunda maior cidade da Dinamarca – Aarhus. O facto de ser uma cidade universitária, foi uma mais valia, pois a grande maioria dos seus habitantes falavam inglês, o que facilitou a comunicação.

Na Dinamarca os médicos de família são general practitioners (GPs) e são os próprios a gerir as suas clínicas. Durante os dias úteis os GPs trabalhavam das 7h45 às 15h, em parceria com enfermeiros e administrativos, bem como médicos internos e estudantes. Adicionalmente, têm turnos distribuídos de forma rotativa numa clínica integrada no Hospital Universitário de Aarhus (cobrindo as 24 horas por dia). Desta forma, qualquer habitante na região contacta sempre primeiro com um GP, que avalia a necessidade de consulta presencial, domicílio ou avaliação no serviço de urgência. O número de emergência fica, assim, reservado para situações emergentes, como acidentes vasculares cerebrais, enfartes agudos do miocárdio ou politrauma. Esta gestão dos cuidados de saúde primários, para além de aliviar a afluência ao serviço de urgência, permite triar cada situação e encaminhá-la da melhor forma.

Os serviços e recursos disponíveis nas clínicas dos cuidados de saúde primários são negociáveis com as entidades superiores. É de salientar alguns exemplos, como a possibilidade de execução de estudos analíticos básicos, análise de amostras de microbiologia, pequena cirurgia ou realização de espirometrias em consulta. Alguns destes recursos, para além de serem facilitadores e poupadores de tempo para o utente, permitem a interpretação dos resultados no momento, auxiliando o raciocínio clínico.

É de sublinhar a existência de uma via verde para a suspeita de doença maligna. Os GPs têm a possibilidade de ativar um rastreio dirigido a cada neoplasia. Acionando-o, os utentes têm acesso a todos os exames de uma forma mais rápida e, no caso de existir alguma alteração suspeita, os resultados dos métodos complementares de diagnóstico são diretamente discutidos em reunião de grupo, com médicos especialistas da área em questão para decidirem qual será o próximo passo. Os GPs são notificados ao longo de todo o processo, permitindo o acompanhamento do utente em paralelo, se assim o entenderem.

Houve ainda oportunidade de conhecer a Associação SANO, que tem como propósito reabilitar utentes com patologia reumática, através da elaboração de um plano individualizado e envolvimento de uma equipa multidisciplinar. Os utentes ficam internados nas instalações durante quatro semanas e, após definirem três objetivos (e.g., voltar a caminhar ou voltarem a ser autónomos em tarefas da vida diária), são distribuídos por diversas atividades: terapia ocupacional, dinâmicas de grupo, consultas com médicos para discussão sobre a sua doença, sessões de psicologia, nutrição e atividades, como ginásio, yoga, mindfulness ou exercício físico no exterior. O foco da equipa de profissionais é melhorar a qualidade de vida destas pessoas, explorando a sua doença de uma forma sistémica. A abordagem holística de patologias que provocam tamanhas limitações funcionais retrata a forma como o método centrado no paciente pode ser posto em prática.

Outra instituição visitada foi um lar que acolhia exclusivamente pessoas com demência. Os profissionais envolvidos eram especializados e os cuidados a cada doente eram personalizados. Esta forma de cuidar de pessoas com doenças tão limitadoras, permitia dignificá-las e aceder a todas as suas necessidades, aumentando a sua qualidade de vida e mantendo-as confortáveis até ao final da sua vida. Profissionais que incorporam o modelo biopsicossocial na sua atividade diária, com cuidados individualizados em patologias como as mencionadas, permitem reforçar a humanização da medicina.

É interessante ressalvar o funcionamento de algumas particularidades dos serviços sociais do país em questão. Existe muito esforço da parte destes serviços, bem como dos empregadores, para encontrarem acordos mútuos e alternativas para pessoas com alguma condição limitadora, de forma a conseguirem manter-se profissionalmente ativas.

O valor acrescentado do intercâmbio equivale a todas as lições aprendidas, resultando em muito mais do que apenas duas semanas. O contacto com diferentes culturas promove o desenvolvimento pessoal e beneficia todo o percurso profissional que se segue. Para além da partilha de conhecimento ser algo constante, as experiências internacionais permitem aprender mais sobre o que é feito de diferente. Não só pelos recursos disponíveis serem distintos, mas também pela visão sobre as mais diversas situações ser influenciada pelo ambiente envolvente em que se vive. O programa Hippokrates Exchange permite quebrar barreiras, através da colaboração de diversos profissionais, motivando para ser e fazer melhor.

Abordar as patologias de uma forma global, influencia a forma como lidamos com os utentes diariamente na prática clínica nos cuidados de saúde primários. Tratar a pessoa como um todo promove a melhoria da sua qualidade de vida, devendo este ser o propósito de todos nós enquanto médicos de Medicina Geral e Familiar.

Alexandra Ramos Rodrigues, Médica Interna de Medicina Geral e Familiar da USF João Semana, ACES Baixo Vouga

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