Enquanto frequentadora assídua das principais jornadas e congressos no contexto da MGF em Portugal, cheguei ingenuamente a Bruxelas preparada para absorver “Tintin” por “Tintin” das guidelines mais recentes e da experiência dos maiores especialistas europeus. Porém, não podia estar mais enganada (e ainda bem!). Aquilo com que me deparei na conferência WONCA foi um conceito de aprendizagem totalmente diferente do que tinha idealizado e do que estava acostumada. Imaginem só: o centro de conferências que albergou o evento dispunha de 12 salas com sessões a decorrer em simultâneo, geralmente das 8h às 18h, em que cada uma tinha a duração média de uma hora. As sessões eram frequentemente compostas pela intervenção de vários oradores durante 5 a 10 minutos cada. Basta fazer as contas por alto e facilmente compreendem a imensa oferta que a conferência proporciona e a liberdade de escolha que os participantes têm ao seu dispor… E se vos dissesse que em toda a conferência existiram apenas 6 sessões dinamizadas por oradores de renome e contratados para o efeito (as chamadas Keynote Lectures)? Isto significa que a maioria das restantes estiveram a cargo de “meros mortais”, isto é, os internos de MGF e médicos de família de todos os cantos do mundo… como foi o meu caso ou poderá(ia) ser o caso dos leitores deste relato. Foi simultaneamente uma surpresa e um orgulho ver o trabalho de tantos colegas a ter um palco tão digno como o da WONCA Europa e perceber a importância que a organização nos atribui, não fôssemos nós essenciais para o conteúdo científico da conferência.
Nesse sentido, aproveito este espaço para encorajar todos os colegas a submeterem os seus trabalhos para apresentação na WONCA. Talvez seja algo tipicamente português, mas tendemos a desvalorizar a qualidade dos nossos trabalhos e a duvidar do interesse para terceiros. No entanto, quando dei por mim no púlpito, o medo e a insegurança iniciais depressa deram lugar a um entusiasmo e prazer por me sentir ouvida e por estar simplesmente ali. Superar este desafio levou-me a casa com uma pura sensação de auto-concretização.
Foi também interessante presenciar e participar na discussão e partilha que se foi gerando no final das várias sessões. Todas tinham moderadores, mas as questões eram colocadas quase sempre por um público curioso e gentilmente crítico. Era quase palpável o desejo dos presentes em gerar um debate constante e saudável entre os pares, muitas vezes focando-se nas diferenças e semelhanças do contexto de trabalho no seu país de origem. Na minha opinião sincera, esta é a beleza e a singularidade deste evento, pois é daqui que vêm as principais aprendizagens e ganhos, quer sejam eles formativos ou pessoais.
Parte da discussão debruçou-se sobre o futuro e a evolução da MGF, onde salientaria um tema em voga que é a inclusão da ecografia point-of-care (POC-US) nos cuidados de saúde primários. Assisti a uma lecture dedicada a este assunto, onde vários colegas expuseram os seus trabalhos de revisão e investigação sobre a POC-US, destacando as suas vantagens, desvantagens e limitações, assim como os obstáculos prováveis à sua implementação. A intervenção de um colega português surpreendeu-me pela positiva, não só pela qualidade da exposição, mas porque fiquei a saber que em Portugal já se incluiu esta valência na formação pré-graduada, mais concretamente na Faculdade de Medicina da Universidade da Beira Interior.
Adicionalmente, salientaria também a inclusão do “Burnout Médico” no programa, onde além de vários estudos com dados preocupantes sobre a realidade dos internos e especialistas de MGF, foram apresentados alguns bons exemplos de soluções ao nível da prevenção quinquenária, inclusivamente praticados em Portugal.
Queria ainda assinalar as sessões dinamizadas pelo European Young Family Doctors Movement, previamente conhecido como Vasco da Gama Movement. Considero que foi a oportunidade ideal para me inteirar sobre este grupo e as suas iniciativas, como é o caso do Hippokrates Exchange e do FM360 Exchange. Gostei particularmente de ouvir o relato inspirador de dois colegas estrangeiros sobre os seus intercâmbios, um deles decorrido em Portugal e outro na Holanda. A existência do Bridge Project foi igualmente uma novidade para mim, o qual conecta colegas jovens de vários países, promovendo o diálogo e o trabalho sobre um assunto de interesse mútuo. Vários grupos apresentaram o fruto do seu trabalho no âmbito deste fantástico projeto e o resultado foi extremamente positivo. Ficou, sem dúvida, uma vontade genuína de me arriscar numa destas aventuras!
De volta a casa, concluo que aquilo que trouxe comigo para Portugal não foi a abordagem terapêutica na ponta da língua ou uma série de novas cábulas para aceder nas consultas. Trouxe, sim, a noção de que conheço melhor esta grande comunidade de MGF em que me insiro e que tanto me orgulha, a qual contribuiu para a confirmação de ter escolhido a especialidade certa!