Olá colegas,
O meu nome é Joana Estrela Reis, sou recém-especialista em Medicina Geral e Familiar na USF Servir Saúde, no ACeS Almada-Seixal (ARSLVT). Tive o prazer de ter recebido uma bolsa da APMGF pela comunicação oral que apresentei na 28° Conferência Europeia da WONCA em Bruxelas sobre adaptações do domicílio para promover a autonomia dos idosos com dificuldades de mobilidade. Por conseguinte escrevo este artigo para partilhar convosco como foi a minha participação no congresso da WONCA.
Na verdade, não é a primeira vez que participo num congresso da WONCA e recomendo vivamente todos quantos tenham possibilidade de participar a que o façam pelo menos uma vez. A WONCA é uma oportunidade única de partilha de experiências com colegas de todo o mundo. É tão curioso quando percebemos que muitos outros, um pouco por todo o mundo, têm as mesmas dificuldades que nós, os mesmos problemas do dia-a-dia, as mesmas barreiras financeiras e estruturais, as mesmas dificuldades de articulação com órgãos de direção/administração, com os cuidados de saúde secundários e com o setor social. É também curioso constatar as diferenças entre os sistemas de saúde de diferentes países. Estas conversas frequentemente deixam-me cheia de orgulho do nosso SNS, da nossa eficiência na utilização dos poucos recursos que existem, da nossa cultura de prestação de cuidados de saúde universais e de qualidade. Para isto contribui o nosso sistema de saúde centrado em Equipas de Família (e não em clínicas privadas em regimes de reembolso), numa visão centrada na pessoa, na família e na comunidade, mas contribui também os tempos de consulta (superiores a muitos dos países europeus) e à luta que tem sido travada em Portugal pela defesa da relação médico-doente. A nossa formação em Medicina Geral e Familiar em Portugal é de excelência e os Médicos de Família em Portugal têm uma abordagem muito mais abrangente e holística da pessoa (faz parte da nossa cultura) do que em muitos outros países. Somos mais proativos e capacitados para a gestão de problemas de saúde de várias “especialidades” nos cuidados primários (referenciamos menos e articulamos mais com os cuidados secundários).
Nestes congressos internacionais, a partilha com colegas de todo o mundo ajuda-nos, por outro lado, a compreender melhor o que não está tão bem no nosso país. Os nossos apoios a nível social (como o apoio à inclusão dos cidadãos com necessidades especiais, a vigilância e apoio a situações sociais de risco e a integração no mercado de trabalho) estão muito aquém de muitos países europeus. Também a contratação de outros profissionais para além de médicos e enfermeiros para o Serviço Nacional de Saúde (psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas e técnicos de desporto, etc) fica muito aquém quando comparada com outros países. Também a flexibilidade de conciliar o trabalho clínico com o trabalho em investigação ou ensino é muito maior fora de Portugal. Em vários workshops foram discutidos estes problemas e partilhadas várias possíveis soluções. Contextos diferentes fazem-nos ter perspetivas diferentes acercas destas dificuldades e soluções úteis provém de quem vê os problemas “de fora”.
Também se falou de burnout (também esse problema parece ser transversal) e de estratégias “fora da caixa” para o prevenir. Falou-se de “saúde positiva” (focarmo-nos mais na promoção da saúde e não apenas no tratamento da doença), dos riscos dos rastreios e do sobrediagnóstico, das preocupações excessivas das pessoas com a saúde, das margens de lucro astronómicas das farmacêuticas com medicamentos extremamente caros que os tornam inacessíveis a quem precisa deles, dos custos e prioridades dos sistemas de saúde…
Foi também um prazer assistir a tantos e tão interessantes trabalhos de vários colegas de todo o mundo, incluindo muitos colegas portugueses que aproveitaram esta oportunidade para mostrar que também em Portugal se faz investigação clínica de grande qualidade. Aliás, Portugal foi o terceiro país com mais inscrições neste congresso e habitualmente está muito bem representado nos congressos da WONCA, pelo que vos convido a participar e a manter este nosso dinamismo.
Encontramo-nos num próximo congresso da WONCA. Até lá!