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2 Jornal Médico de Família • n.º 15 • V Edição • 2º trimestre de 2019
EDITORIAL Nuno Jacinto (Diretor)
talvez por isso, colhe frutos junto da opinião melhorou, antes pelo contrário. Em muitos
pública. casos, a regulamentação em causa parece ter
Desde infeções causadas por bactérias virais a servido apenas para dar uma aura de pretensa
suplementos alimentares promovidos nos pro- credibilidade a estes procedimentos, relegan-
gramas televisivos como sendo uma panaceia do para um distante segundo plano o efeito
infalível para todos os males, passando pelos regulatório pretendido.
perigosíssimos movimentos anti-vacinas, so- Vivemos tempos perigosos no que a esta ma-
“O «achismo» tomou conta da nossa sociedade. Todos têm opi-
nião sobre tudo, mesmo que não possuam qualquer conhecimento
sobre a matéria em causa”
mos permanentemente bombardeados com téria diz respeito, quando a ciência se vê ata-
uma impressionante desinformação no que à cada em praça pública por um crescente obs-
saúde diz respeito (e estou em crer que o mes- curantismo que se pensava ultrapassado. Julgo
mo se passa em muitas outras áreas). que, enquanto profissionais de saúde, está na
Com papas e bolos... Em 2015, a conferência de abertura do 19º altura de dizermos basta. Enquanto Médicos
Congresso Nacional de MGF teve como tema
de Família temos de estar na linha da frente
“Pseudociência” e ficou a cargo do Prof. David deste combate, dado que muitas vezes somos
Marçal, que nessa tarde nos brindou com uma a primeira linha de contacto do cidadão com a
brilhante palestra sobre muitas destas ques- verdadeira ciência. Cabe-nos também a nós, a
tões. Na altura, as suas palavras causaram um
um nível individual mas também coletivo e no
A cimento atual. Como é lógico, esse conheci- desconforto evidente no então Diretor Geral âmbito sócio-profissional, contribuir para que
sabedoria popular é rica e maravi-
quem nos procura possa ter mais conhecimen-
da Saúde, Dr. Francisco George, em particu-
mento evolui e assim se justifica que dados e
lhosa mas, como tudo, tem as suas
limitações. Vivemos num país com
hoje considerados ultrapassados e até mesmo
de forma fundamentada sobre qual o caminho
uma reduzida literacia em saúde. Não sei se teorias que outrora foram verdadeiros sejam lar porque tinha sido recentemente publicado tos em saúde e, sem imposições, possa decidir
em Diário da República o diploma que regu-
somos melhores ou piores do que outros paí- errados pela comunidade científica. lava algumas destas ditas terapias alternati- que deve seguir.
ses, não tenho dados ou conhecimentos que Obviamente que toda esta mensagem é difícil vas. Independentemente de
me permitam realizar essa comparação. de passar, sendo muito mais fácil apregoar curas concordarmos ou não
Contudo, todos constatamos no nosso dia a milagrosas baseadas em casos isolados e de com esta situação,
dia que os conhecimentos sobre saúde que a difícil comprovação, ao mesmo tempo que o certo é que volvi-
generalidade da nossa população possui são se alimentam infames teorias da conspira- dos quase 4 anos a
manifestamente insuficientes, estando na ção sobre interesses económicos, quase situação em nada
base da utilização inadequada dos serviços fazendo parecer que estas “terapias”
disponíveis. apenas existem por caridade e esque-
Só partindo deste “desconhecimento” me é cendo de forma conveniente os valores
possível tentar compreender o inenarrável envolvidos em cada uma delas.
“debate” televisivo que teve lugar há poucas É difícil ouvir que temos responsabilidades
semanas e cujo tema eram as “medicinas” e deveres em relação à nossa saúde e não
alternativas. apenas direitos. Numa cultura baseada na
Como ponto prévio, devo realçar que con- desresponsabilização, preferimos muitas ve-
sidero a liberdade de expressão um direito zes os caminhos mais fáceis e as soluções
fundamental da nossa sociedade. Contudo, a imediatas mas quase sempre enganadoras.
existência dessa liberdade não pode significar O “achismo” tomou conta da nossa
que todas as opiniões estão em de pé de igual- sociedade. Todos têm opinião sobre tudo,
dade e que são igualmente válidas. Colocar mesmo que não possuam qualquer conhe-
lado a lado a verdadeira ciência e a crendice cimento sobre a matéria em causa. Os
só podia dar mau resultado. meios de comunicação social estão
O método científico não tem como objetivo repletos dos chamados líderes de
ser popular, não se alimenta de aplausos nem opinião, muitas vezes com uma
se esconde com os apupos. Ao contrário do aparente licenciatura em
que muitas vezes é dito, a ciência é humilde e “tudologia”, que lhes per-
questiona-se a si própria de forma contínua. mite falar sobre qualquer
A ciência não se baseia em acasos, mas sim tema de uma forma tantas
em provas que sejam sólidas à luz do conhe- vezes demagoga e populista mas que,
FICHA TÉCNICA
JORNAL MÉDICO DE FAMÍLIA Publicação trimestral dirigida exclusivamente a profissionais de saúde • 2º Trimestre de 2019 - V Edição - Órgão Oficial da Associação Portuguesa de
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