A oito horas do interno que merecem reflexão e os riscos reais do burnout médico

O novo programa de formação de especialização de Medicina Geral e Familiar (MGF) introduziu entre diversas alterações um período de oito horas, dentro do horário semanal do interno, para a realização de atividades não clínicas. Porém, este período não está claramente definido e regulamentado, pelo que tem vindo a ser aplicado de forma muito distinta entre Regiões e Coordenações de Internato. Com vista a debater as práticas em cada região e encontrar um terreno comum, o ENIJMF promoveu uma mesa redonda com a participação de representantes de Comissões de Internos e Coordenações de Internato de MGF de todo o país.

Ficou evidente pela troca de experiência que o panorama é muito díspar ao longo do território e que se torna importante, no futuro, desenvolver estratégias e guiões que possam criar balizas para a utilização destas horas protegidas. Em LVT, onde já foi desenvolvido um guião que sugere orientações para o uso destas horas, a coordenadora do Internato de MGF Cecília Shinn acredita que o mais relevante é sempre “salvaguardar o tempo protegido e o percurso individual de formação do interno”. Helena Chantre, coordenadora do Internato Médico de Medicina Geral e Familiar do Alentejo crê ser importante “estruturar melhor este horário no futuro”, para que os internos retirem o máximo proveito destas oito horas e frisa a urgência de “sensibilizar os orientadores e tutores hospitalares para a importância e justificação destas horas protegidas”. Por seu turno, Dolores Quintal, coordenadora do Internato Médico de Medicina Geral e Familiar da Região Autónoma da Madeira, não tem dúvidas de que esta sessão do ENIJMF foi muito enriquecedora e que “em conjunto com os internos da Madeira a Coordenação sente que pode melhorar o modelo e a aplicação destas horas”.

Já Francisca Silva, médica Interna de MGF no Centro de Saúde de Câmara de Lobos (Madeira), defendeu que talvez seja sensato dispensar uma formatação rígida para a utilização destas horas de formação não clínicas, no sentido de preservar a autonomia do interno e ajudar a colmatar as suas lacunas individuais e específicas de formação: “não me parece que deva existir uma definição fixa para estas oito horas, até porque os percursos e necessidades dos internos são muito diferentes. O que deve existir é um vasto leque de opções, às quais o interno poderá aceder com flexibilidade”.

Burnout intensificou-se com a pandemia e exige remodelação das rotinas do trabalho médico

A síndroma de burnout representa um problema grave e incontornável na Medicina e na MGF, claramente agravado pela pandemia nos últimos tempos. No ENIJMF, Sofia Ramos Ferreira (médica interna de Psiquiatria no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra) partilhou dados de estudos nacionais e internacionais que comprovam o intensificar da carga de trabalho e emocional para os profissionais de saúde em período pandémico, circunstância que apenas pode conduzir a um aumento de casos de burnout. “Se a maioria de nós, médicos, tínhamos dificuldade em fazer essa separação entre o que é trabalho e não é trabalho, com a pandemia essa linha esbateu-se muito, passámos a estar sempre contactáveis ou a pensar que é razoável consultar e-mails de madrugada ou ligar a pessoas depois do jantar. Isto tem contribuído para um cansaço muito grande da nossa classe”, advoga a médica interna de Psiquiatria.

Segundo Sofia Ramos Ferreira, “os estudos demonstram que tem havido um aumento de burnout nos profissionais de saúde, relacionado com a pandemia. Nesta sessão foram expostos dois artigos, um suportado em dados oriundos de profissionais em Portugal, que mostram com dados científicos inegáveis que está a haver um aumento de burnout, com diminuição posterior do rendimento do clínico e prejuízo para o doente, a instituição e o próprio. Ou seja, os dados dão suporte à necessidade de existir uma remodelação do trabalho, de forma a proteger quem trata dos outros”.

Já relativamente a estratégias para prevenir ou mitigar os efeitos do burnout, a médica interna de Psiquiatria deixou sobretudo o conselho de não atrasar aquilo que é inadiável: “quando as situações atingem determinados critérios, é necessário recorrer a ajuda profissional, não adiar intervenções ou recorrer a estratégias alternativas, ao consumo de produtos naturais, álcool ou substâncias ilícitas, escolher descarregar situações nos amigos ou família, ao invés de gerir o problema”.

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