Carta Aberta à Direção Executiva do SNS, SPMS e INFARMED

Exmo(a)s. Dirigentes da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, SPMS – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE e INFARMED I. P.,

A Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) vem expressar as suas preocupações e considerações acerca das recentes alterações no registo da posologia na prescrição de fármacos através da Plataforma Eletrónica de Prescrição (PEM). Reconhecemos a importância da evolução tecnológica na gestão da prescrição médica. No entanto, destacamos alguns pontos críticos que impactam a prática clínica, a perceção do utente e que têm o potencial de comprometer a eficiência do sistema.

Em primeiro lugar relembramos que este tipo de alterações devem ter por base necessidades sentidas pelos profissionais ou utentes e, de facto, desde a introdução da possibilidade de efetuar prescrições com validade de 12 meses esvaziou-se parte das inovações assumidas por esta estratégia. Fica, assim, a inovação atual resumida ao cálculo automático do número de caixas para 12 meses. Porém, considerando o tempo acrescido no preenchimento obrigatório de campos, acaba tal inovação por ser sentida como uma ineficiência e não um ganho para o sistema.

O facto deste preenchimento ser obrigatório também é foco da nossa preocupação. Este género de mudanças deveria ser opcional – pelo menos numa fase inicial – proporcionar uma evidente melhoria face ao modelo anterior e ser essa a razão para ser globalmente adotada. Entendemos assim que a inclusão da APMGF no processo de idealização, desenho e implementação das soluções é essencial e crucial para garantir uma abordagem holística e alinhada com as necessidades dos profissionais de saúde.

A própria assunção de que a prescrição deverá ser calculada para 12 meses, ignorando o número de caixas disponíveis em receitas anteriores, é criticável. Essa decisão é claramente clínica, devendo ser partilhada caso a caso entre médico e utente e a rigidez da plataforma nesse aspeto e generalização desse cálculo não constitui o passo mais correto para a maioria das situações. Deverá ser deixada ao médico a consideração da data em que há necessidade de revisão, tendo em conta a data da próxima consulta, pois foi essa que foi clinicamente decidida como necessária para nova avaliação da situação clínica do utente, assegurando-se deste modo uma abordagem mais personalizada e atualizada.

Expressamos também a nossa preocupação quanto à dificuldade de prescrever frações de comprimidos e de unidades que não sejam comprimidos, como soluções orais ou terapêutica com insulina, varfarina, acenocumarol e outros fármacos em que a prescrição não é igual em todos os dias da semana. Importa também referir que as abreviaturas utilizadas nem sempre serão totalmente percebidas pelo utente, circunstância que aumenta o risco na toma adequada dos medicamentos.

Apontamos para a necessidade de tornar a comunicação com a farmácia bidirecional e mais informativa, permitindo uma interação mais colaborativa e transparente entre os profissionais de saúde e as farmácias, em vez de uma classificação simplificada como útil/não útil.

Alertamos para a imprecisão do slogan utilizado “medicação para doenças crónicas sem passar no centro de saúde”, que pode induzir a uma interpretação errada sobre a obtenção de medicação para doenças crónicas diretamente na farmácia. É fundamental esclarecer que o farmacêutico terá uma maior acessibilidade à prescrição médica, mas a necessidade de acompanhamento clínico persiste e que a prescrição é uma responsabilidade exclusivamente médica.

Solicitamos também esclarecimentos sobre como é realizada a reconciliação terapêutica em casos de novas prescrições, seja pelo mesmo médico ou por um outro, a fim de garantir uma gestão eficiente e segura da medicação, pois não se torna claro como poderá ser realizada.

Por fim, destacamos a importância de uma abordagem centrada no utente, na gestão da medicação crónica, baseada no medicamento. Esta abordagem visa proporcionar uma visão clara e organizada para os utentes, facilitando a gestão e compreensão da terapêutica prescrita. Neste momento, a prescrição encontra-se centrada no código da receita, o que provoca um acumular de receitas anteriores com parte dos medicamentos ainda disponíveis e que não é possível disponibilizar de uma forma agregada ao utente, o que se traduz numa enorme ineficiência para o sistema.

Agradecemos a vossa atenção e colaboração na reversão destes pontos, visando a melhoria contínua da qualidade da prestação de cuidados de saúde em Portugal.

Lisboa, 10 de novembro de 2023
A Direção Nacional da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF)

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