Medicina e espiritualidade podem contribuir em parceria para melhorar o bem-estar e a saúde sexual das pessoas

O Grupo de Estudos da Sexualidade (GESEX) vai organizar no decurso do Encontro de Outono da APMGF a sessão «Sexualidade: Teologia e Medicina», programada para o dia 23 de novembro, pelas 11h30, no Hotel Sdivine, em Fátima. Esta será, com toda a certeza, uma das mesas mais aguardadas do evento, por abordar em contexto de reunião médica assuntos que raramente são aflorados neste tipo de iniciativa, ainda para mais numa lógica de interdisciplinaridade e combinando Medicina e Teologia na procura de uma sexualidade equilibrada.

A conversa terá como protagonistas Andreia Rodrigues Silva, médica de família com Competência em Sexologia pela Ordem dos Médicos, vogal do Conselho Fiscal da Sociedade Portuguesa de Andrologia, Medicina Sexual e Reprodução e membro da Coordenação do Grupo de Estudos da Sexualidade (GESEX) da APMGF, o padre Anselmo Borges – doutorado em Filosofia pela Universidade de Coimbra, licenciado em Teologia pela Universidade Gregoriana (Roma) e docente do Programa Doutoral em Neurociências Clínicas, Neuropsiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – e Miguel Oliveira da Silva, ginecologista-obstetra do Hospital de Santa Maria e Hospital Lusíadas e professor catedrático jubilado de Ética Médica na FMUL.

“A sessão propõe uma reflexão sobre temas sensíveis e complexos que raramente encontram espaço para uma análise conjunta nos âmbitos clínico e teológico, tais como o papel da mulher, o celibato, a educação sexual nas escolas, a homossexualidade e as questões de abuso sexual. Cada um destes temas possui uma dimensão cultural, ética e espiritual profunda, influenciando diretamente as perspetivas e práticas dos médicos, em particular dos Médicos de Família”, sublinha Andreia Rodrigues. A representante do GESEX acredita que “com a presença do Prof. Dr. Miguel Oliveira da Silva, que traz uma análise fundamentada em bioética, e do Padre Anselmo Borges, cuja visão humanista e teológica amplia a abordagem, o debate se tornará mais rico, proporcionando um diálogo integrador. Esta interseção entre Medicina e Teologia oferece uma oportunidade singular para aprofundar os dilemas éticos e compreender como os valores culturais e religiosos das pessoas moldam as suas expectativas e necessidades. A complementaridade entre o saber bioético e a experiência espiritual dos oradores faz desta sessão um espaço privilegiado de reflexão, onde os médicos de família poderão encontrar novas perspetivas para responder, de forma sensível e informada, aos desafios apresentados por estas questões”.

Na ótica do Padre Anselmo Borges, este diálogo projetado para Fátima levantará “questões fundamentais como a subordinação em geral da mulher, o celibato dos padres, a pedofilia, a confissão, a educação para a cidadania na escola… Julgo que é muito importante essa colaboração recíproca entre a saúde e a espiritualidade — aliás, apesar de jubilado na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, continuo a assegurar um módulo sobre esta problemática num Mestrado e Doutoramento na FMUP”.

Para Andreia Rodrigues, a sessão promete também explorar “a limitação persistente na procura de apoio para questões ligadas à sexualidade e às dificuldades nesta área, tanto no contexto clínico, como em espaços de orientação espiritual. Esta limitação decorre, em grande parte, de barreiras culturais, estigmas e receios que frequentemente inibem as pessoas de partilharem as suas preocupações, expondo o estigma persistente em torno da saúde sexual, reforçado tanto por pressões culturais como pela falta de uma rede de apoio que normalize a discussão da sexualidade em contextos de prestação de cuidados. No consultório, muitas pessoas evitam abordar estas questões por receio de julgamentos ou incompreensões; nos contextos espirituais, a resistência pode derivar de valores tradicionais que, em vez de promoverem uma expressão aberta, tendem a reforçar sentimentos de desconforto e/ou culpa. A sessão pretende inspirar os médicos de família a refletirem sobre estas barreiras e a desenvolverem uma prática clínica mais acolhedora e empática, criando um ambiente seguro onde cada pessoa se sinta à vontade para expressar as suas necessidades”.

Por fim, a responsável do GESEX assegura que faz todo o sentido que agentes promotores da saúde e agentes promotores da espiritualidade colaborem em projetos no domínio da sexualidade: “a colaboração entre saúde e espiritualidade é não apenas viável, mas essencial para uma abordagem integrada e abrangente do bem-estar das pessoas. A saúde sexual, sendo um elemento fundamental da saúde global, abrange valores e princípios que ultrapassam o âmbito estritamente médico, tocando na esfera espiritual e ética. Embora frequentemente tratadas como áreas distintas, saúde e espiritualidade partilham um objetivo comum: o bem-estar integral da pessoa. O diálogo entre medicina e espiritualidade pode contribuir para uma abordagem mais sensível e contextualizada, especialmente em áreas como a saúde sexual, onde os valores éticos e espirituais das pessoas muitas vezes influenciam as suas decisões. O diálogo entre o Padre Anselmo Borges e o Prof. Dr. Miguel Oliveira da Silva ilustra a complementaridade possível entre estas áreas”.

Já Miguel Oliveira da Silva sugere que existem questões fundamentais a dissecar durante esta mesa-redonda: “Quais as queixas mais frequentes na MGF em termos de sexologia na clínica do dia-a-dia? Frigidez, anorgasmia na mulher? Em que situações? Disfunção eréctil? Que formação têm os MGF nestas áreas e que capacidade e à-vontade têm? Notam que a vida espiritual e religiosa pode interferir na sexualidade?”. De acordo com o professor catedrático jubilado de Ética Médica, “há doentes que, por motivos religiosos, recusam a contracepção oral, a contracepção de emergência, a PMA, a gravidez de substituição, doação de gâmetas e, claro, a IVG – e tudo isto tem a ver com heterossexualidade. Há ainda doentes, mulheres, que não praticam contracepção por serem homossexuais, e nem sempre o dizem numa primeira consulta médica. São situações qualitativamente distintas sobre as quais nem todos os padres pensam o mesmo. Mas o diálogo só pode ser frutuoso”.

 

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